Para garantir um bom futuro para a saúde no Rio Grande do Sul, especialistas acreditam que as soluções sejam qualificar a atenção primária, investir em planejamento e promover inovação. Os desafios e caminhos para a saúde do Estado até 2035 foi tema do terceiro Zero Hora Talks promovido pelo jornal em parceria com o Conselho Regional de Medicina do Rio Grande do Sul (Cremers). O evento ocorreu na tarde desta terça-feira (3), no Plenário do Cremers.
Participaram da discussão o presidente do Cremers, Eduardo Neubarth Trindade; o diretor-presidente do Hospital de Clínicas de Porto Alegre (HCPA), Brasil Silva Neto; o superintendente e diretor-técnico do Hospital do Coração (HCor), em São Paulo, Gabriel Dalla Costa; e o diretor-geral da Santa Casa de Porto Alegre, Julio Flávio Dornelles de Matos. A mediação foi feita pela comunicadora do Grupo RBS Rosane de Oliveira.
Os gestores de saúde aproveitaram o momento para citar alguns desafios que a saúde no Rio Grande do Sul enfrenta ou pode enfrentar no futuro. Abrindo a conversa, Trindade pontuou que não há políticas de Estado para a saúde, somente políticas de governo. Ele também ressaltou que a falta de verbas deixa a área em uma espécie de cobertor curto, com dificuldade para cobrir tudo que precisa:
— Na saúde, é muito difícil fazer uma gestão dessa forma. O planejamento tem que ser a longo prazo, nós temos que estabelecer uma meta e tentar atingir essa meta. O Rio Grande do Sul, felizmente, conta com uma estrutura hospitalar invejável. Mas agora o nosso grande desafio é como vamos distribuir essa qualidade, que temos em alguns centros, para os nossos (quase) 11 milhões de habitantes?
Neto, diretor-presidente do HCPA, acrescentou que a superlotação das emergências é outro desafio enfrentado pela saúde no Estado. No caso dos hospitais filantrópicos, Matos afirmou que organizar um processo assistencial, para atender majoritariamente pacientes vindos do Sistema Único de Saúde (SUS) também é uma necessidade, uma vez que o financiamento é uma dificuldade presente dentro deste contexto.
Dalla Costa cita outros obstáculos, que são as necessidades e demandas frente aos recursos e capacidades dos sistemas de enfrentarem essas exigências. Para ele, há quatro grandes impulsionadores dessa procura crescentes:
— O primeiro é o envelhecimento populacional, que é muito intenso. No Rio Grande do Sul, em 2010, nós tínhamos 13% da população com mais de 65 anos. Hoje, são mais de 20%. [...] Como vamos planejar esse envelhecimento? [...] Um outro é a incorporação de novas tecnologias. As novas tecnologias que promovem uma vida melhor, mais estendida, mas adicionam ao sistema uma pressão muito grande de custos.
O terceiro elemento é o surgimento de novas doenças e o entendimento dos médicos sobre condições já existentes. Já o quarto driver, como o especialista chama esses impulsionadores, é a intensidade da prática médica. Segundo o diretor-técnico do HCor, esse fator envolve a formação médica e a qualidade dos profissionais, uma vez que a intensidade da prática pode modular o uso dos recursos.
Soluções
Para o presidente do Cremers, uma das principais soluções para todos esses desafios é o investimento na melhoria da atenção primária à saúde. Ele defendeu que 80% dos problemas de saúde de uma comunidade deveriam estar sendo resolvidos nas Unidades Básicas de Saúde (UBS), para demandar menos das emergências hospitalares. Além disso, ele falou sobre a importância de trabalhar na prevenção de doenças para evitar os gastos com tratamento.
— As nossas emergências não estariam menos lotadas se, eventualmente, lá na atenção primária tivesse conseguido resolver? [...] Estamos vendo os próprios planos de saúde investindo muito em prevenção para evitar a doença futura. É muito difícil tratar a doença. E é até mais econômico prevenir do que tratar. [...] Só que esse é um desafio muito grande e é um caminho a seguir. Mas, infelizmente, o que nós estamos vendo é uma pouca importância que se dá à atenção primária de saúde.
Neto, do HCPA, acrescentou que se a atenção primária consegue ser eficiente nas demandas de menor complexidade, é possível que essa rede fique menos dependente dos outros níveis. Ele explicou que, dessa forma, a racionalização dos recursos ou outras estruturas fica mais fácil, porque o sistema estaria bem coordenado e alinhado.
— Se nós tivermos como base, como o Eduardo falou, que a atenção primária soluciona a imensa maioria dos problemas em saúde, e que na base de onde o paciente mora, se tiver políticas de Estado que possam contemplar medidas de prevenção, medidas de educação, não só o paciente que daqui a 10 anos, 20 anos, ou a população atual vai envelhecer com melhor qualidade, mas criamos uma cultura de saúde dentro de toda a rede.
O diretor-geral da Santa Casa de Porto Alegre defendeu que, para ter uma atenção primária de qualidade, é preciso investir em educação para mudar a cultura da população que, muitas vezes, não entende o papel das UBS e das emergências:
— A população tem uma cultura de que eu vou em uma emergência porque lá vai demorar, é verdade, mas eu saio de lá com tudo pronto. Se eu precisar de um exame, o hospital mesmo vai me referenciar um especialista. Mas nas nossas emergências, 85% ou 90% dos pacientes que estão lá, talvez não precisassem estar. Se tivéssemos uma rede primária resolutiva, lá na ponta, talvez pudesse resolver isto. Então tem uma cultura da nossa população que precisamos, dentro de um processo de educação e prevenção, trabalhar muitos aspectos. E, efetivamente, os hospitais seriam o último estágio de um processo assistencial, e não o primeiro.
Os especialistas também falaram sobre a importância de investir em novas tecnologias, como a telemedicina e a inteligência artificial. A ligação entre os setores e as redes, que surgiu no debate do primeiro Zero Hora Talks, também foi apontado como uma necessidade nesta edição.