Com o sistema de saúde em colapso e a multiplicação dos mortos por coronavírus — enterrados em valas comuns, abertas às pressas —, o Amazonas comove o país e intriga infectologistas, que tentam explicar as causas do agravamento da crise sanitária no Estado. Entre as hipóteses levantadas, estão o desrespeito ao distanciamento social, a oferta insuficiente de leitos de UTI, a baixa testagem da população e os efeitos da temporada de chuva, típica do inverno amazônico.
Entre 16 de março e 16 de abril, a quantidade de casos confirmados da doença passou de um para 1,7 mil na região, sendo que, nesta quarta-feira (22), já são 2,4 mil infectados e 207 mortos. O primeiro óbito foi registrado em 24 de março. Quatro semanas depois, 193 pessoas já haviam perdido a vida para a covid-19. A título de comparação, no Rio Grande do Sul, até esta quarta-feira (23), são 923 enfermos e 27 perdas.
Em termos proporcionais, o Amazonas tem uma das piores taxas de letalidade por milhão de habitante e está entre as unidades da federação em condição mais grave do Brasil. Em Manaus, onde estão concentrados 80% dos contágios conhecidos, as taxas são ainda mais preocupantes.
A situação levou à instalação, nos últimos dias, de duas câmaras frigoríficas no Cemitério Nossa Senhora Aparecida, o maior do município, que se tornou o emblema da pandemia. Com o auxílio de retroescavadeiras, covas coletivas foram abertas para dar conta de todos os enterros. A imagem correu o mundo e escancarou os efeitos da superlotação de hospitais e da ocupação dos leitos de UTI, próxima de 100%.
Assustado, o prefeito de Manaus, Arthur Virgílio, pediu ajuda ao governo federal e reconheceu, em entrevista à Rádio Gaúcha, que a cidade estava despreparada e foi pega de surpresa. Segundo ele, "o caso não é de emergência, é de absoluta calamidade". Virgílio assumiu a responsabilidade por falhas na prevenção e reclamou da atuação do governo do Estado.
— Se tivéssemos uma secretaria estadual preparada, com leitos suficientes de UTIs funcionando, pessoal qualificado, teríamos enfrentado muito melhor isso — declarou.
Como ele, governador do Amazonas, Wilson Lima, também admitiu a precariedade do sistema ao falar a ouvintes da Gaúcha. Além disso, confirmou que há subnotificação de casos e que não tem como ampliar os testes — outro elemento que pode ter contribuído para retardar a reação das autoridades, por dificultar a percepção do alcance real do vírus.
Esse conjunto de fatores, na avaliação de especialistas, ajuda a esclarecer o quadro de terror pintado no Amazonas, mas as prováveis causas vão além.
Para o infectologista Guilherme Augusto Pivoto João, do Hospital Universitário Getúlio Vargas, da Universidade Federal do Amazonas (UFAM), as peculiaridades do inverno amazônico, marcado por muita umidade, devem ser levadas em conta. Não chegam a ocorrer grandes variações de temperatura, ou seja, não esfria como no Sul, mas as pessoas tendem a se aglomerar mais por causa da chuvarada, o que amplia os riscos (leia aqui a entrevista com o especialista).
Outro aspecto que pode ter concorrido para o colapso é o desrespeito às medidas de isolamento. Na avaliação de Luciano Goldani, professor titular de Doenças Infecciosas da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), trata-se de uma questão cultural, aliada a fatores físicos, como crescimento urbano desordenado e o grande número de ocupações em Manaus, com concentração populacional elevada.
— O clima quente e os hábitos culturais inerentes a isso dificultam o distanciamento social em Manaus. O mesmo se dá, por exemplo, em países africanos. Temperatura alta, ao contrário das baixas, é ruim para o vírus, mas, em contrapartida, é mais difícil manter as pessoas em isolamento — conclui Goldani.