Países que ultrapassaram a fase inicial da epidemia de coronavírus tiveram desfechos distintos, a depender das medidas tomadas por cada governo. As nações onde o isolamento apareceu cedo e a população embarcou na estratégia tiveram sucesso. Já quem demorou para desestimular aglomerações, como Itália e Espanha, lida com um crescimento exponencial no número de casos, mostra análise de dados da Organização Mundial da Saúde (OMS).
O quanto antes a população deixa de se encontrar, menos o vírus circula e menor será o número de doentes no pico da epidemia. É o que especialistas chamam de “achatar a curva”.
— A estratégia de controle adotada por vários países é necessária neste momento, mas brasileiros precisam levar muito a sério essa epidemia. Recentes estudos mostram que infecções não contabilizadas facilitavam a rápida disseminação do vírus, e mais de 86% das infecções não foram documentadas na China. A Itália não reconheceu que, em um mundo globalizado, o vírus poderia chegar tão rápido — afirma Marta Giovanetti, virologista italiana que atua como pesquisadora-visitante na Fundação Oswaldo Cruz, no Rio de Janeiro.
A Itália, em uma tristíssima realidade, registrou 627 mortos apenas na sexta-feira (20), como se um avião inteiro caísse com os passageiros. Aos poucos, países europeus começaram a fechar fronteiras e pedir à população que se isole em casa – medidas nunca tomadas desde a 2ª Guerra Mundial. Os resultados, no entanto, levam de duas a três semanas para aparecerem.
A China, que penou no início da epidemia, teve sucesso em controlar o coronavírus e registrou na quarta-feira (18), pela primeira vez, um dia sem um único novo caso. Veja, no gráfico a seguir, como Itália e Irã têm as curvas mais altas e como a Espanha parece se aproximar ao cenário italiano.
Os gráficos desta reportagem foram feitos em escala logarítmica (mostram o crescimento da epidemia em escala exponencial, o que ajuda a visualizar números muito altos), a contar a partir do 50º caso. A escolha do número foi sugerida por epidemiologistas para abarcar o Brasil (que ainda não tem milhares de casos) e porque, no início, a epidemia é basicamente formada por casos importados, sem contornos regionais.
O Brasil está ainda no inicio da epidemia de coronavírus, em ascensão, como mostra o gráfico abaixo. O governo espera, para os próximos dias, uma explosão de casos. Justamente por isso, médicos suplicam que a população fique em casa – é necessário não sobrecarregar o atendimento de postos de saúde e hospitais.
Não há consensose o Brasil demorou ou não a tomar medidas de restrição. Alguns epidemiologistas afirmam que São Paulo deveria ter isolado a Capital antes – outros afirmam que Porto Alegre se antecipou e passou a restringir atividades antes da transmissão comunitária, quando não é possível rastrear a origem dos casos. Há certa concordância sobre o fato de que cada Estado enfrentará uma realidade e, portanto, cada governo estadual deverá se adaptar à demanda regional.
Veja as medidas de casa país para deter a doença:
China
Na China, a curva cresce rapidamente, mas a estabilização mostra que o coronavírus conseguiu ser contido. No começo, houve um crescimento assustador, mas se em 17 de fevereiro houve 19,4 mil novos casos, na última quarta-feira ninguém se contaminou. Há consenso de que a epidemia foi freada com sucesso após a quarentena geral imposta no país em 3 de fevereiro, com proibição de sair de casa e de funcionamento de transportes públicos. Cerca de 60 milhões de pessoas foram isoladas, o país construiu um hospital em 10 dias e passou a diagnosticar e isolar pacientes rapidamente. Com a sobrecarga de exigência de leitos de Unidade de Tratamento Intensivo (UTI), hospitais normais se transformaram em “hospitais de coronavírus”, algo que deve ocorrer no Brasil.
Coreia do Sul
A Coreia do Sul é outro país que é visto como exemplo no combate à doença. No gráfico, é possível ver que a curva foi achatada e se transformou em uma espécie de linha reta (plateau), sinal de que a epidemia foi contida. O país registra um grande número de casos (mais de 8,4 mil), mas baixa taxa de letalidade (93 mortos até quinta-feira). É uma particularidade da Coreia do Sul, resultado da decisão do governo de seguir a recomendação da Organização Mundial da Saúde (OMS) de testar a população em massa e isolar quem der positivo – até agora, cerca de um cada 200 sul-coreanos foram testados. Há inclusive drive-thrus para realizar o exame dentro do carro e os suspeitos para o vírus são monitorados conforme a localização do celular e o uso do cartão de crédito. Outra questão foi a forte adesão dos sul-coreanos às medidas de isolamento social, evitando contato com outras pessoas. Na quinta-feira, o país não registrou nenhum caso novo.
Itália
A Itália vive um cenário caótico – nesta sexta-feira, registrou mais de 4 mil mortes (627 em um dia, como se um avião tivesse caído). Agora, já há mais vítimas fatais do que a China, com 3,2 mil. Hospitais não dão conta de atender a todos os pacientes e médicos precisam escolher quem receberá respirador mecânico (portanto, quem irá viver ou morrer). Há certo consenso de que o cenário ocorre por conta do erro de um hospital de Codogno, no norte do país, que diagnosticou pacientes com coronavírus como se tivessem gripe, pela alta taxa de idosos e pela demora da população em isolar-se – no início, como havia apenas recomendações dos governos, italianos acabaram lotando ruas e bares, como se estivesse em férias. A quarentena total começou na região da Lombardia, cuja capital é Milão, e foi ampliada para todo o país em 9 de março. Os efeitos ainda não são sentidos – a expectativa de pico do coronavírus ocorra entre o fim de semana e a semana que vem.
Espanha
A Espanha ainda não conseguiu conter o coronavírus – observe no gráfico como o crescimento nos casos segue crescendo. O cenário espanhol registra um crescimento de casos que parece caminhar para o caos italiano. Para conter o vírus, o governo de Madri começou em 14 de março um confinamento nacional de 15 dias. Só é possível sair de casa para comprar comida, trabalhar, procurar atendimento médico ou ajudar os idosos. Os efeitos das restrições, no entanto, levam semanas – se centenas de pessoas se infectaram no último dia antes da quarentena, os sintomas podem aparecer até 14 dias depois. Passado um mês e meio, são mais de 13,7 mil casos.
França
A França já está com mais de mil novos casos por dia e se aproxima de um cenário difícil do coronavírus. Até quinta-feira (19), eram 392 mortos, só não pior do que Itália, China, Irã e Espanha. Em quarentena total de duas semanas desde o dia 14, franceses precisam de autorização para ir ao mercado, à farmácia ou ao trabalho. Bares, restaurantes e cinemas estão fechados. Em forte discurso televisionado à população, o presidente Emmanuel Macron afirmou que a França “está em guerra”, evocando os traumas das 1ª e 2ª Guerras Mundiais.
Irã
O Irã é um dos países mais afetados pelo coronavírus no mundo – em 21 dias, eram mais de 8 mil casos. Agora, são quase 20 mil infecções e 1,4 mil mortes. No gráfico, é possível ver como o crescimento é grande, sinal de que o país não conseguiu “achatar a curva”. Uma série de problemas contribuiu para o cenário. O ministro da Saúde fez piada com a etiqueta da tosse (ele teve coronavírus posteriormente) e o presidente Hassan Rouhani demorou até tomar medidas de restrição (no começo, colocou a culpa do vírus em “inimigos”). Outra questão possível foi o grande número de casos na cidade religiosa de Qom, onde há vários pontos sagrados que peregrinos costumam beijar e tocar – o governo pediu para fechar locais, mas nunca houve medida proibitiva. Dois dias depois das primeiras mortes na cidade, houve eleições nacionais para o Parlamento sem grandes avisos sobre o coronavírus. Só nove dias após a primeira morte é que o governo proibiu a aglomeração das preces de sexta-feira, onde centenas de pessoas costumam se agrupar. Hoje, escolas e universidades estão fechadas.
Japão
Elogiado pelo sucesso em combater o coronavírus, o Japão não teve nenhum dia com mais de 60 novos casos. Apesar de o primeiro caso ter sido registrado em janeiro, até agora não há mais de mil pessoas infectadas em todo o país. O governo começou a alertar a população antes mesmo da primeira pessoa trazer a doença ao país e, antes de haver um grande número de casos, aulas foram canceladas e japoneses começaram a se isolar em casa. Ainda que o governo não tenha adotado a estratégia dos testes em massa, a adesão da população às restrições e à etiqueta de higiene foram fatores-chave: a população está acostumada a usar máscaras quando está gripada, então incorporar o uso ao cotidiano foi fácil. Culturalmente, japoneses também entendem que não devem causar problemas ao outro.