Epidemias mantêm uma constante: começam com pouquíssimos casos, crescem em ritmo exponencial, atingem um pico e, depois, passam a cair. O esforço de qualquer governo é conter o avanço da doença para que menos pessoas sejam atingidas, em um maior espaço de tempo – assim, o sistema de saúde não entra em colapso. O futuro do coronavírus no Brasil será decidido agora.
O país está bem no início da curva de crescimento do coronavírus, apontam epidemiologistas. Basta ver o número de casos confirmados, que passou de apenas um em 28 de fevereiro para 234 nesta segunda-feira (16). Conter o avanço para não exigir demais do sistema de saúde dependerá de evitarmos contato com multidões, diagnosticarmos os pacientes e isolarmos em casa quem tiver sintomas.
— "Achatar" a curva é diminuir o número de casos envolvidos. Isso é importante porque uma coisa é precisar de 10 leitos de UTI (Unidade de Tratamento Intensivo) por dia e, outra, é precisar de cem leitos de UTI por dia. O achatamento da curva é criar uma maneira de fazer com que a curva da epidemia não seja tão alta para que ela não afete tanta gente quanto poderia, permitindo que o sistema de saúde atenda as pessoas. O pico da curva epidêmica acontecerá em algum patamar, e isso depende do número de pessoas suscetíveis, das restrições sociais e do tempo que demora para implementar medidas — observa Ricardo Kuchenbecker, professor de Epidemiologia na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).
Estatísticas apontam que, dos casos de coronavírus, 80% terão sintomas leves (resolvidos com uma consulta no posto de saúde e repouso em casa), 15% precisão de internação em leitos clínicos e 5% exigirão internação em UTI. A média de internação em UTI é de 14 a 21 dias. Não lotar emergências é importante para todos porque um paciente com a doença concorrerá por atendimento com quem tem qualquer outro problema.
O Brasil tem, a seu favor, o Sistema Único de Saúde (SUS), que prevê atendimento de graça à população. No entanto, falta dinheiro: o SUS perdeu R$ 20 bilhões em seu orçamento a partir de 2016 após a criação do teto de gastos, aponta estudo do Conselho Nacional de Saúde (CNS). O segundo obstáculo é a falta de leitos de UTI para internação: há cerca de 16 mil leitos para adultos no SUS no Brasil, com ocupação de 95% só com as demandas normais, sem coronavírus, segundo a Associação de Medicina Intensiva Brasileira (Amib). Em cenário de pandemia, a entidade estima aumento de 20% da demanda.
A Itália demorou a desincentivar aglomerações e viu um crescimento absurdamente alto no número de infectados, passando de apenas três em 21 de fevereiro para mais de 21,1 mil em 15 de março. Não há sistema de saúde que suporte tanta gente buscando assistência médica, e o resultado é a distopia que alguns hospitais italianos enfrentam: decidir, diariamente, quem deve viver ou morrer.
No Brasil, o número deve crescer vertiginosamente nos próximos dias, segundo o próprio ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, segundo o qual "as próximas 20 semanas serão duras".
Hoje, o número de casos duplica a cada 2,1 dias e deve chegar a cerca de 950 pessoas na próxima sexta-feira (20), mostra análise preditiva de Roberto Kraenkel, professor de Física Teórica na Universidade do Estado de São Paulo (Unesp), e colegas. O modelo, ele ressalva, usa o comportamento do coronavírus nos últimos dias e pode prever apenas a próxima semana porque a própria adesão dos brasileiros às recomendações do governo pode alterar o futuro da epidemia. O isolamento e a higiene são essenciais.
— Estamos bem no começo da curva, agora vai começar a subir. Se você toma atitudes que diminuem o contato das pessoas e faz elas ficarem em casa, você diminui as oportunidades de o vírus se espalhar. Em vez de crescer exponencialmente, a epidemia crescerá mais lentamente até chegar a um pico e decair — diz o professor, especialista em comportamento de epidemias. — Queremos acompanhar quando começarão a aparecer os efeitos das políticas e de as pessoas aderirem, ou seja, quando a epidemia começará a desacelerar. Não é possível prever ainda quando a curva chegará ao pico e quando começará a descer porque temos muito poucos dias de epidemia.
Há consenso sobre a importância das medidas de isolamento: países como Cingapura e Hong Kong tiveram grande sucesso em "achatar" a curva de avanço da epidemia porque os governos e a própria população aderiram a essas precauções, ficando em casa o máximo possível. Mas a discordância surge na decisão de até que ponto elas devem chegar (seria cedo demais para cancelar aulas?).
— Vemos um jogo de forças entre pessoas da saúde publica que acham que é melhor fechar (eventos) para evitar grandes picos da doença e forças econômicas que tentam evitar as medidas de isolamento para reduzir o impacto econômico. É uma questão de escolha que cada governo fará — acrescenta Kraenkel.
Kuchenbecker, professor de Epidemiologia, ressalta que cancelar aulas por um curto período de tempo e sem articular com outras medidas de restrição não surte muito efeito.
— Uma escola sozinha (fechada) não impacta na curva epidêmica, nem um período de tempo muito curto é efetivo, como mostram dados sobre H1N1 e o próprio coronavírus. Algumas projeções do CDC (a Anvisa norte-americana) apontam que a interrupção das atividades escolares precisa ser entre cinco e 20 semanas. Medidas de isolamento e de higiene são essenciais. A grande questão é como fazê-las de forma organizada — observa.
Para Silvio Ferreira, professor do Departamento de Física da Universidade Federal de Viçosa (UFV) e especialista em criar modelos de previsão estatísticos, o Brasil está muito mais próximo da situação da Itália e da Espanha, onde o cenário é pior, do que de nações asiáticas que tiveram sucesso no controle do coronavírus. Ele destaca que intervenções do governo levam de duas a três semanas para terem resultado.
— O Brasil está seguindo um padrão de crescimento da epidemia muito parecido com Espanha e Itália, onde está tudo muito crítico. Mas é importante ter cuidado ao generalizar, porque há várias questões que não temos controle. Estamos em rota preocupante. Se continuar assim, podemos evoluir para uma situação como Itália e Espanha vivem hoje — aponta Ferreira.
Para conter a velocidade do coronavírus, não basta apenas incentivar as restrições de contato e lembrar da higiene pessoal, mas também realizar diagnósticos na população. O problema hoje, no Brasil, é o limite de preço e de exames disponíveis – não há 200 milhões de kits para todos.
— O achatamento da curva não tem a ver só com os casos administrados, mas também com os assintomáticos que seguem a vida normalmente. Achatar a curva é muito mais do que pegar pessoas doentes e colocar em isolamento, mas ter uma mudança cultural. Na Itália, só é feito teste em quem tem sintoma, enquanto que a Coreia faz teste para qualquer um. Viu-se, então, que a distribuição por faixa etária é diferente. Na Coreia, quem mais tem coronavírus são jovens entre 20 e 40 anos com sintomas muito brandos, mas que seguem como transmissores — acrescenta o professor da UFV.