Na próxima sexta-feira (27), Victor Almeida, 20 anos, aterriza em Brasília depois de uma breve temporada na Itália. A mãe e o pai já organizaram como será o retorno e como o jovem cumprirá as orientações sanitárias para proteger parentes, amigos e a população do Distrito Federal em geral. Apesar da saudade, ele tem consciência de que não poderá abraçar os pais. Jovem e expansivo, sabe que terá de ficar recolhido de quarentena devido à pandemia de coronavírus.
Voltar em março não estava nos planos do rapaz, que cursa o sétimo semestre de Administração na Universidade de Brasília (UnB). Victor foi selecionado para fazer intercâmbio de seis meses na Universidade de Parma, na região da Lombardia, norte da Itália, onde o novo coronavírus passou a ameaçar a metade ocidental do planeta.
Apesar de estar no lugar certo para se qualificar profissionalmente, mas na hora errada, Victor diz que retorna para casa sereno.
— A expectativa é voltar agora para a minha rotina. É triste. Era um sonho para mim, mas não quer dizer que não vá ocorrer depois.
Ele diz que se conforma, mas não deixa de lamentar:
— Essa é minha primeira vez na Europa. É a primeira vez que moro sozinho, me planejei muito para isso. Abri mão de muitas coisas para estar aqui. É muito ruim depois de apenas dois meses.
Victor chegou a Parma no dia 2 de fevereiro. No dia seguinte, uma segunda-feira, começou a ter aula. Passados 20 dias, no sábado de Carnaval, foi informado, via rede social, que as atividades acadêmicas seriam interrompidas pelos próximos dias. "Coronavirus: I’Universitá di Parma sospende le ativività didattiche" ("Coronavírus: a Universidade de Parma suspende as atividades didáticas"), dizia a mensagem, em italiano, via Instagram, com foto da fachada de um dos prédios da universidade fundada no século 11.
A decisão de voltar ao Brasil não foi imediata. Novos adiamentos das aulas ocorreram, e os cursos presenciais se tornaram à distância. Num quarto de apartamento, Victor tocou os estudos, inscreveu-se em pequenos cursos e se impôs uma rotina de exercícios físicos. Fez "tudo para aproveitar o tempo" e foi percebendo que tão cedo "a situação não vai voltar ao normal".
Apesar de se sentir "seguro" e de "não ter ficado com medo de morrer", o estudante passou a ponderar: "E se eu pegar a doença e tiver de ficar em casa? Ou não poder voltar para o Brasil?" Assim, o universitário, junto com os pais, decidiu pelo retorno.
Rotina de quarentena
Já o adolescente secundarista Bernardo Griesinger, 17 anos, voltou do interior da Holanda para Brasília no dia 18 de março, antecipando em quatro meses o retorno que só deveria ocorrer no fim de julho.
Bernardo viajou em agosto do ano passado pela AFS Intercultura Brasil, uma organização não governamental global com mais de 70 anos de funcionamento – a sigla AFS é do antigo American Field Service. Por causa da covid-19, a instituição decidiu encerrar o programa de intercâmbio da temporada 2019-2020 para jovens do mundo todo.
— Ele estava lá sem ter aula — conta a administradora Angelica Griesinger, mãe de Bernardo.
Angelica pôs o filho de quarentena no quarto de casa e isolou o banheiro social do apartamento para uso exclusivo dele. Jovens na mesma faixa etária de Bernardo no mundo todo estão voltando para casa. Enquanto o filho estava fora, Angelica recebia pela AFS um estudante da mesma idade, que regressou para a sua cidade na Hungria.
O desenlace tranquilizou a mãe, mas trouxe uma série de dúvidas sobre como lidar com o isolamento do filho dentro de casa. Em sua opinião, falta detalhamento de como manipular objetos, cuidar da louça e da roupa do filho, que não apresentou sintomas associados ao novo coronavírus.
Home office
Os jovens Julia Lozzi, 22, estudante de Design, e Victor Landim, 23, do curso de Engenharia da Computação, ambos da UnB, não querem antecipar as voltas previstas para setembro e agosto, respectivamente. Ela está em Roma, sul da Itália, estagiando no World Food Programme (programa de alimentos das Nações Unidas). Ele está no sul de Portugal fazendo curso na Universidade do Algarve.
— Não me sinto muito afetado com essa situação, minha vida segue normal. Estudo e trabalho. Só não saio de casa — descreve Victor, que, além das aulas à distância, trabalha remotamente com o desenvolvimento de aplicativos.
Julia diz ter "perfil mais caseiro e introvertido" e está tranquila fazendo home office. Começou a trabalhar depois do Carnaval. Poucos dias depois, recebeu a mensagem de que deveria ficar de quarentena no seu apartamento durante o período de 8 de março a 3 de abril e fazer teletrabalho.
— Não é problema ficar em casa. Os problemas são as situações que a gente não controla. O que me deixa ansiosa são as incertezas: quanto tempo isso vai durar, como isso ia chegar ao Brasil. A gente vê as notícias e é realmente desanimador — desabafa Julia, cujo pai tem mais de 70 anos.
As notícias do Brasil também preocupam a aluna de comunicação organizacional da mesma UnB Beatriz Roscoe, 21 anos, que está fazendo intercâmbio na Universidade de Navarra, em Pamplona, na Espanha:
— Acho que as coisas vão ficar piores aí (no Brasil) do que aqui. O momento é de incerteza.
A princípio, a estudante volta no final do ano, mas se preocupa com custo elevado das despesas em euro para os pais com relação a sua educação no Exterior e com a saúde de toda a família no Brasil.
Otimismo e esperança
Além de Beatriz Roscoe, Julia Lozzi, Victor Landim e Victor Almeida, a UnB tinha 120 estudantes de graduação no Exterior. França, Espanha, Portugal e Itália eram os principais destinos. Segundo a assessoria de comunicação da universidade, seis alunos desse total já voltaram ou estão com passagem marcada.
A UnB tem indicado aos graduandos que estão no Exterior que sigam a orientação das universidades de destino. Se optarem por retornar ao Brasil, devem informar aos cursos originais para reabrir a matrícula. A UnB criou um grupo em rede social para dar apoio aos alunos que estão fora do país. Nesta segunda-feira (23), o Conselho de Ensino, Pesquisa e Extensão suspendeu o primeiro semestre letivo da universidade.
A crise provocada pelo coronavírus assusta até quem está há mais de 30 anos no mercado de cursos no Exterior e intercâmbios.
— Nunca vi isso antes — diz Maura Leão, que fez intercâmbio para os Estados Unidos durante as guerras do Vietnã e do Iraque e atualmente preside a associação de operadoras de intercâmbio Belta (sigla em inglês para Brazilian Educational & Language Travel Association), que reúne quase 50 empresas (com total de 600 pontos) em todo o país.
O segmento, que cresceu regularmente nos últimos anos, sendo mais de 5% no ano passado, poderá sofrer em 2020. A atividade, que já penava com a valorização do dólar frente ao real, viu o cenário piorar com o alastramento do coronavírus.
— Não temos como fugir dessa flutuação cambial — diz Maura, que aguarda uma melhoria do quadro epidemiológico no verão do Hemisfério Norte (a partir de junho).
— Temos de ter esperança. Nem é otimismo.
Para a presidente da Belta, a atividade de intercâmbio será retomada em algum momento, pois é a realização de muitas pessoas e uma demanda para qualificação e empregabilidade.
— Acredito que as pessoas serão melhores quanto mais estiverem expostas a outras culturas.