Ovos in natura, pêssego, erva-mate e até doce de leite são alguns dos itens que podem entrar no cardápio dos alunos de escolas estaduais do Rio Grande do Sul. Todos os alimentos têm projetos de lei (PLs) tramitando no Legislativo, sugerindo que eles façam parte das refeições ofertadas pelas instituições.
Uma das iguarias que tem gerado debate é justamente o doce de leite, que teve sua inclusão aprovada em reunião Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), na última terça-feira (25). De autoria de Edson Brum (MDB), o PL 385/2006 justifica que o "alimento este notadamente rico em nutrientes indicados especialmente para alunos do Ensino Fundamental. O doce de leite é um alimento inegavelmente proteico, se constituindo em um produto oriundo especialmente da agroindústria gaúcha".
Contudo, é preciso cautela quando falamos do seu aspecto nutricional, já que o doce de leite contém mais açúcar, carboidrato simples, do que proteína. Por utilizar o leite como ingrediente, contém proteína, mas não é considerado rico nesse macronutriente, destaca a nutricionista Heloísa Theodoro, mestre em Saúde Coletiva e professora de Nutrição da Universidade de Caxias do Sul (UCS).
A possível inclusão do doce de leite acontece enquanto um grupo de trabalho criado pelo governo do Estado define critérios e prazos para aplicação da Lei 15.216/2018, que ficou popular como Lei das Cantinas, e vetou a comercialização de produtos como balas, pirulitos, biscoitos recheados, refrigerantes, salgadinhos, frituras, sucos artificiais, entre outros, nos bares escolares de instituições públicas e privada.
Conforme a Tabela Brasileira de Composição de Alimentos (TACO), o doce de leite tem 5,5 gramas de proteínas contra 59,5 gramas de carboidratos (em 100 gramas). Por outro lado, diz Heloísa, ele é um produto regional e cultural, assim como a chimia, que pode ser usado com moderação e com o devido acompanhamento de um nutricionista para crianças acima de dois anos.
— Utilizamos o doce de leite como uma variação para passar no pão integral no café da manhã do cardápio das escolas de Ensino Fundamental, contudo, com moderação e frequência quinzenal a mensal, respeitando a resolução que trata da limitação da quantidade de açúcar semanal ofertada às crianças — pondera a especialista, que também trabalhou na rede municipal de ensino de Flores da Cunha e Caxias do Sul, na Serra.
Nutricionista destaca que não há benefícios
Contrária ao PL, a nutricionista materno infantil Gabriela Penter diz que não vê nenhum benefício na inclusão do produto na merenda escolar, ainda mais se formos considerar o cenário atual de obesidade: de acordo com dados divulgados neste ano pelo Ministério da Saúde, 12,9% das crianças brasileiras entre cinco e nove anos são obesas e 18,9% dos adultos estão acima do peso.
— A aprovação de um PL desse vem contra a tendência de redução no consumo de açúcar. Crianças até dois anos não devem ingerir açúcar e, acima dessa idade, não tem necessidade também. A gente sabe que ele está presente na nossa alimentação, na vida social e não há motivos para ele estar na merenda escolar, que é momento em que a criança está inserida em um contexto de educação. Não tem nenhum benefício, não tem um lado bom — defende Gabriela.
Com experiência de 10 anos no setor de alimentação em escolas, a nutricionista especialista na área de educação Ana Luiza Scarparo lembra que, mesmo se aprovada, a inclusão do doce leite deve respeitar o previsto na legislação vigente do Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE) (Lei 11.947/2009), que trata da alimentação escolar no país.
— Para regulamentá-la, tem uma resolução que recomenda que se ofereça, no máximo, duas porções de doces e/ou preparações doces por semana com 110 calorias cada uma — destaca Ana Luiza, reforçando que, para respeitar esses limites, é fundamental a presença de nutricionistas nas redes públicas, para a elaboração de cardápios adequados às necessidades nutricionais dos escolares.
Além disso, outro ponto controverso na proposta é o uso de produtos industrializados, fato que vai na contramão de tudo o que a nutrição tem pregado nos últimos tempos, que prevê a prioridade do consumo de alimentos in natura e uso de produtos minimamente processados.
— Muito provavelmente, o doce de leite será industrializado, o que significa que terá acréscimo de substâncias químicas, corantes, estabilizantes, conservantes, tornando-o mais processado — sublinha Gabriela.
Ovo in natura ou em pó
Rico em proteínas e vitaminas, os ovos contêm o que os nutricionistas chamam de proteína completa. Esse e outros quesitos compõem a justificativa para outro PL (264/2013) que estipula o uso de ovos in natura e em pó na merenda escolar. Proposto pelo deputado Ernani Polo (PP), o texto reapresenta a proposta anterior do parlamentar Jerônimo Goergen. Segundo Ana Luiza, o cardápio elaborado pelos nutricionistas da Secretaria Estadual de Educação já inclui o ovo nas refeições das escolas estaduais. A grande questão em relação ao seu uso é no que diz respeito às alergias.
— Estimular a identificação de crianças com necessidades nutricionais específicas é uma atribuição do nutricionista do PNAE. Por isso, uma alternativa seria as escolas perguntarem sobre possíveis restrições na matrícula, ocasião em que pais ou responsáveis podem entregar um laudo médico, a fim de que os alunos recebam o atendimento adequado — fala a especialista em educação.
Erva-mate em pães, bolos, biscoitos e geleias
Outro item que tem sua inclusão tramitando é a erva-mate, cujo consumo está amplamente associado ao chimarrão. No PL 68/2018, de autoria do deputado Gilberto Capoani (MDB), há sugestão do uso da erva como complemento para pães, bolos, biscoitos e geleias. Para Ana Luiza e Heloísa, esse fim é incomum, portanto, dependeria da realização de testes de aceitabilidade, conforme a legislação do Programa Nacional de Alimentação Escolar.
— Não é porque os gaúchos tomam chimarrão que, necessariamente, isso faça parte de consumo em alimentos com erva-mate. Segundo a legislação do PNAE, sempre que houver a introdução de um novo produto ou preparação, é preciso testá-lo, tendo um preparo padronizado com receita ou ficha técnica e aprovação de 85% ou 90% dos alunos — explica Ana Luiza.
Se alimentos à base da erva fossem aprovados, eles poderiam, sugerem as especialistas, estar acompanhados de trabalhos nas escolas que mostrem seus benefícios.
Também aprovado este ano na Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) da Assembleia Legislativa, o projeto de lei 188/2019, de autoria de Luiz Henrique Viana (PSDB), sugere a inclusão de pêssego e seus derivados no menu escolar. Na justificativa, ele alega que, segundo a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa), o Rio Grande do Sul é o maior produtor da fruta no país. Heloísa lembra que, apesar de um período de safra curto, quando é época, o fruto in natura é ofertado nas refeições escolares.
— Processado não teria benefícios — avalia, mencionando as versões em calda da fruta.