Você tem um gene chamado PNMA6F. Todas as pessoas têm, mas ninguém sabe seu propósito ou a proteína que ele produz. Ao que tudo indica, o PNMA6F tem muita companhia quando este é o assunto.
Em um estudo publicado no último 18 de setembro, na PLOS Biology, pesquisadores da Universidade Northwestern relataram que, de todos os nossos 20 mil genes codificadores de proteínas, cerca de 5,4 mil nunca foram objeto de uma única análise em artigos científicos.
A maioria de nossos outros genes foi um pouco menos negligenciada, assunto de investigações menores, quando muito. Uma pequena fração – 2 mil deles – tem monopolizado a maior parte da atenção, foco de 90% dos estudos científicos publicados nos últimos anos.
Uma série de fatores é responsável por esse desequilíbrio, e dizem que tem muito a ver com como os cientistas abordam a ciência.
Os pesquisadores tendem a se concentrar em genes que já são estudados por décadas, por exemplo. Assumir um enigma como o PNMA6F pode colocar a carreira de um cientista em risco.
— Isso é preocupante. Se o campo científico continua a explorar o desconhecido neste ritmo lento, vai demorar uma eternidade para que entendamos sobre outros genes — disse Luís A. Nunes Amaral, cientista de dados da Universidade Northwestern e coautor do novo estudo.
Um gene pode vir à tona porque os cientistas encontram a proteína que ele codifica. Em outros momentos, a primeira pista chega quando os pesquisadores reconhecem que um trecho de DNA tem algumas sequências que são compartilhadas por todos os genes. Mas dar um nome a um gene não significa que você sabe o que ele faz.
Considere o chamado C1orf106. Os cientistas o descobriram em 2002, mas não tinham ideia de sua função. Em 2011, pesquisadores perceberam que variantes desse gene deixam as pessoas vulneráveis à doença inflamatória intestinal. No entanto, ainda não tinham ideia do porquê.
Em março, uma equipe de pesquisadores no Instituto Broad em Cambridge, Massachusetts, resolveu o mistério. Eles criaram ratos que não conseguiam produzir as proteínas do C1orf106 e descobriram que os animais desenvolveram síndrome do intestino poroso.
Os cientistas descobriram que essa proteína mantém as células intestinais devidamente unidas. Agora os pesquisadores têm um novo olhar quando procuram tratamentos para a doença inflamatória intestinal.
Desde 2003, as pesquisas mostraram que algo estava errado com o estudo dos genes humanos. Apenas um pequeno grupo deles atraía a maior parte da atenção científica.
A genética mudou drasticamente desde então. Os cientistas têm agora um mapa detalhado do genoma humano, possuindo a localização de quase todos os genes dentro dele. E a tecnologia para sequenciar o DNA está muito mais poderosa.
Recentemente, Amaral e seus colegas resolveram verificar se os pesquisadores tinham ampliado seu foco, analisando milhões de artigos científicos publicados até 2015. A equipe descobriu que nosso conhecimento sobre genes humanos continuou desequilibrado.
Amaral e seus colegas não apenas documentaram esse desequilíbrio, mas também testaram 430 possíveis explicações que apontariam a razão de existirem, desde o tamanho da proteína codificada por um gene até a data de sua descoberta.
Era possível, por exemplo, que os cientistas estivessem racionalmente focando apenas nos genes mais relevantes. Talvez tenham estudado apenas os que têm envolvimento com câncer e outras doenças. Mas no final das contas, não era este o caso.
— Há muitos genes que são importantes no câncer, mas apenas um pequeno subconjunto deles está sendo estudado — disse Amaral.
Apenas 15 explicações apontavam para a quantidade de trabalhos publicados que tratavam de um determinado gene. As razões têm mais relação com a carreira dos cientistas do que com os próprios genes. Por exemplo, é mais fácil reunir as proteínas que são secretadas do que aquelas que ficam presas no interior das células. Amaral e seus colegas descobriram que se um gene secreta uma proteína, há maior probabilidade que ele seja bem estudado.
É também mais fácil estudar um gene humano pela observação de uma versão relacionada em algum rato ou outro animal de laboratório. Os cientistas foram bem-sucedidos em criar modelos em animais para alguns genes, mas não para outros.
Os genes que são estudados em modelos animais tendem a ser estudados muito em seres humanos, também, perceberam Amaral e seus colegas. Uma longa história ajuda também. Os genes que são intensivamente estudados agora tendem a ser aqueles que foram descobertos há muito tempo.
Cerca de 16% de todos os genes humanos foram identificados até 1991. Esses genes foram sujeitos de cerca de metade de toda a pesquisa genética publicada em 2015. Uma razão para isto é que quanto mais os cientistas estudam um gene, mais fácil se torna a pesquisa, observou Thomas Stoeger, pesquisador do pós-doutorado na Northwestern e coautor do novo relatório.
— As pessoas que estudam esses genes têm uma vantagem sobre os cientistas que têm de produzir novas ferramentas para estudar outros — disse ele.
Esse começo pode fazer toda a diferença na corrida para publicar a pesquisa e conseguir um trabalho. O estudo também descobriu que estudantes de pós-graduação que investigaram os genes menos estudados tiveram menor propensão a se tornar pesquisadores principais quando a carreira está em estágio mais avançado.
— Todas as recompensas estão configuradas para você estudar o que já foi bem estudado. Com o Projeto Genoma Humano, pensávamos que tudo iria mudar. E o que nossa análise mostra é que praticamente nada mudou — disse Amaral.
Se essas tendências continuarem, como acontece há décadas, o genoma humano permanecerá uma incógnita por um longo tempo. Nesse ritmo, levaria um século ou mais para os cientistas publicarem pelo menos um artigo sobre cada um dos nossos 20 mil genes. Para Amaral, o ritmo lento da pesquisa pode bloquear avanços na medicina.
— Continuamos a olhar para os mesmos genes como alvos para os medicamentos desenvolvidos. Estamos ignorando a grande maioria do genoma — ele disse.
Os cientistas não vão alterar seus caminhos sem uma grande mudança na forma como a ciência é feita, acrescentou.
— Não consigo acreditar que o sistema pode, por si só, mover-se nesta nova direção — disse ele.
Stoeger argumentou que a comunidade científica deve reconhecer que um pesquisador que estuda os genes menos conhecidos pode precisar de tempo extra para obter resultados.
— As pessoas que se dedicam a algo novo precisam de alguma proteção — disse ele.
Amaral propôs dedicar algumas bolsas de pesquisa às apostas verdadeiramente desconhecidas, em vez de se manter nas seguras.
— Algumas das pesquisas que seriam financiadas irão falhar. Mas quando obtiverem sucesso, abrirão muitas oportunidades — concluiu.
Por Carl Zimmer