Vitória Toline, 27 anos, precisava se inclinar sobre a mesa da cozinha, estabilizar suas mãos e tirar uma gota de líquido de um pequeno frasco com um conta-gotas. Essa operação delicada havia se tornado parte de sua rotina diária — extrair doses cada vez menores do antidepressivo que ela havia tomado por três anos e estava desesperadamente tentando parar de usar.
— Basicamente, era tudo o que eu estava fazendo, lidando com a tontura, a confusão, o cansaço e todos os sintomas de abstinência — conta Vitória, de Tacoma, Washington (EUA).
Levou nove meses para que ela se livrasse do remédio, Zoloft, tomando doses cada vez menores.
— Não consegui terminar a faculdade. Só agora estou me sentindo bem o suficiente para tentar voltar à vida em sociedade e ao trabalho — relata.
Os antidepressivos ajudaram milhões a aliviar a depressão e a ansiedade e são considerados um marco no tratamento psiquiátrico. Muitas pessoas, talvez a maioria, param de tomar os medicamentos sem apresentar problemas significativos. O uso a longo prazo, porém, é o resultado de um problema não antecipado e crescente: muitas das pessoas que tentam parar afirmam que não conseguem por causa dos sintomas de abstinência sobre os quais elas nunca haviam sido avisadas.
Tempos atrás, alguns cientistas previram que certos pacientes poderiam experimentar sintomas de abstinência se tentassem parar — eles chamaram de “síndrome da descontinuação”. Ainda assim, a abstinência nunca foi um foco dos fabricantes ou dos órgãos regulamentadores, que acreditavam que os antidepressivos não podiam ser viciantes e que faziam muito mais bem do que mal.
Inicialmente, os medicamentos foram aprovados para uso por períodos curtos, seguindo estudos que normalmente duravam dois meses. Mesmo hoje, há poucos dados sobre seus efeitos em pessoas que os tomam por anos. Assim que um remédio é aprovado, os médicos têm liberdade para prescrevê-lo da maneira que acharem melhor. A falta de dados de longo prazo não impediu os especialistas de indicar antidepressivos indefinidamente para dezenas de milhares de pacientes.
— A maioria das pessoas toma esses remédios como um cuidado preliminar, depois de uma consulta curta e sem sintomas claros de depressão clínica — afirma Allen Frances, professor emérito de Psiquiatria da Universidade Duke. — Normalmente, há melhora e, em geral, é por causa da passagem do tempo ou do efeito placebo. Mas o paciente e o médico não sabem disso e dão aos antidepressivos um crédito que eles não merecem – completa o especialista.
Ainda assim, não está claro se todo mundo que possui uma prescrição sem data final determinada deveria parar de tomar os remédios. A maioria dos médicos concorda que um subgrupo de usuários se beneficia de uma prescrição para toda a vida, mas discorda sobre o tamanho desse grupo.
O jornal americano The Times analisou os dados recolhidos desde 1999 como parte da Pesquisa Nacional de Exame de Saúde e Nutrição dos Estados Unidos. No geral, mais de 34,4 milhões de adultos tomaram antidepressivos em 2013 e 2014, bem mais do que os 13,4 milhões da pesquisa de 1999 e 2000.
— O que você vê é o número dos usuários de longo prazo se acumulando ano após ano — diz Mark Olfson, professor de Psiquiatria da Universidade Columbia, que auxiliou o Times na avaliação.
Sintomas da abstinência
Os antidepressivos não são inofensivos. Eles normalmente causam entorpecimento emocional, problemas sexuais como falta de desejo ou disfunção erétil e ganho de peso. Em entrevistas, usuários de longo prazo relataram um desconforto arrepiante: tomar a pílula diária os faz duvidar de sua própria resiliência.
Os pacientes que tentaram parar de tomar os remédios normalmente dizem que não conseguem. Em uma pesquisa recente com 250 usuários de drogas psiquiátricas em períodos longos — em geral, antidepressivos —, cerca de metade dos que diminuíram a dose classificou os sintomas de abstinência como severos. Quase metade dos que tentaram parar não conseguiu por causa deles.
Os poucos estudos de abstinência de antidepressivos publicados sugerem que é mais difícil conseguir parar de tomar algumas das medicações do que outras. Isso acontece por causa das diferenças entre a meia-vida das drogas (tempo que leva para o corpo se livrar do medicamento quando a pessoa para de tomar as pílulas). Marcas com meia-vida relativamente curta, como Effexor e Paxil, parecem causar mais sintomas de abstinência mais rapidamente do que as que permanecem mais tempo no sistema, como o Prozac.
Em um dos estudos mais antigos publicado sobre a abstinência, pesquisadores da Eli Lilly pediram a pessoas que tomavam Zoloft, Paxil ou Prozac que parassem abruptamente por cerca de uma semana. Metade das pessoas que tomavam Paxil teve tonturas severas, 42% sofreram confusão e 39%, insônia.
Entre os pacientes que pararam de tomar o Zoloft, 38% tiveram irritabilidade severa, 29%, tontura, e 23% sentiram cansaço. Os sintomas apareceram logo depois que as pessoas pararam com os medicamentos e acabaram assim que elas voltaram a tomar as pílulas.
Os que tomavam Prozac, por outro lado, não tiveram um aumento inicial dos sintomas quando pararam, mas esse resultado não foi surpreendente. O Prozac demora várias semanas para desaparecer totalmente do corpo, então, uma semana de interrupção não é um teste de abstinência.
— A verdade é que o estado da ciência hoje é totalmente inadequado — afirma Derelie Mangin, professora do departamento de Medicina de Família da Universidade McMaster, em Hamilton, Ontário. — Não temos informação sobre o que a retirada dos antidepressivos causa, por isso não podemos criar abordagens adequadas de redução gradual.
Pesquisa deve trazer respostas
Algumas das questões mais importantes sobre a abstinência dos antidepressivos devem ser respondidas em breve. A professora Derelie Mangin liderou uma equipe de pesquisa na Nova Zelândia que recentemente completou o primeiro teste de abstinência rigoroso e de longo prazo.
A equipe recrutou em três cidades mais de 250 pessoas que vinham tomando Prozac há muito tempo e estavam interessadas em diminuir a dose. Dois terços do grupo usava o medicamento por mais de dois anos, e um terço, por mais de cinco anos.
A equipe dividiu aleatoriamente os participantes em dois grupos. Metade parou devagar, recebendo uma cápsula por dia que, em um período de um mês ou mais, continha progressivamente quantidades menores de droga ativa. A outra metade acreditava que estava diminuindo gradativamente, mas recebeu cápsulas que na verdade mantinham sua dose regular.
Os pesquisadores acompanharam os dois grupos por um ano e meio. Eles ainda estão trabalhando com os dados, e suas descobertas serão publicadas nos próximos meses. Mas uma coisa já ficou clara a partir desse esforço e de outras experiências clínicas, segundo Mangin: os sintomas de algumas pessoas foram tão severos que elas não conseguiram parar de tomar os medicamentos.
— Mesmo com uma redução lenta de um remédio com uma meia-vida relativamente longa, essas pessoas tiveram sintomas de abstinência significativos e precisaram começar a usar a droga de novo — afirma ela.
O que dizem os fabricantes
Os fabricantes de remédios não negam que alguns pacientes sofrem de sintomas severos quando tentam se livrar dos antidepressivos.
— A probabilidade de desenvolver uma síndrome de descontinuação varia de acordo com o indivíduo, o tratamento e a dosagem prescrita — afirma Thomas Biegi, porta-voz da Pfizer, fabricante de antidepressivos como Zoloft e Effexor.
Ele diz que os pacientes precisam trabalhar com seus médicos para “diminuir gradualmente” e afirmou que a empresa não tinha dados de taxas de abstinência para fornecer.
A farmacêutica Eli Lilly disse em nota que a empresa “permanece comprometida com o Prozac e o Cymbalta e com sua segurança e benefícios”.
Por Benedict Carey e Robert Gebeloff