O sonho da casa própria e a esperança de um recomeço levaram Milena Vieira, 26 anos, ao posto de atendimento da região Humaitá/Navegantes, na zona norte de Porto Alegre, na manhã desta terça-feira (8). No local, ao longo do dia, ocorreu o segundo mutirão que busca acelerar a compra assistida de residências aos atingidos pela enchente de maio. A ação é organizada pelo governo federal e pela Caixa Econômica Federal, com apoio da prefeitura do município.
O lar de Milena, onde ela cresceu e viveu durante toda a vida, é um dos 20,7 mil que foram total ou parcialmente danificados em Porto Alegre em decorrência da pior tragédia climática que já acometeu o Rio Grande do Sul. O número foi contabilizado pela prefeitura da Capital.
— Lá na minha casa a água foi até em cima. Não tem como voltar para lá. Ficou tudo destruído. Eu tô ficando na casa do patrão do meu marido. Hoje eu vim aqui para ver se consigo escolher um imóvel para gente viver. Não queremos mais voltar para lá (para a casa do Humaitá) — conta a jovem, ao arrumar a manta que cobria a filha Keila, de três meses. Quando a família de Milena evacuou a casa na tentativa de fugir da água lamacenta, em maio, a mulher ainda estava grávida de Keila.
Além de Milena, outras 378 pessoas foram convocadas para o mutirão desta terça-feira, que aconteceu em três horários de atendimento: 9h, às 13h30min e às 16h. No primeiro horário, foram recebidos moradores da Ilha dos Marinheiros. No segundo, residentes das ilhas do Marinheiros, das Flores, da Pintada e Mauá. O último horário atendeu aqueles que foram afetados pela cheia e que se encontram na Casa de Passagem Frederico Mendes, assim como alguns moradores do bairro Sarandi.
— Aqui no mutirão a gente passa as informações para que as pessoas possam encaminhar a compra da sua casa. Esse evento é interessante porque a gente tem um trabalho de base para que as pessoas conquistem a casa própria e recomecem — afirma Simone Somensi, secretária municipal de Habitação e Regularização Fundiária de Porto Alegre e diretora-geral do Departamento Municipal de Habitação (Demhab).
Neste momento, apenas 737 pessoas estão habilitadas para participar do programa em Porto Alegre. Na cidade, há 664 imóveis cadastrados na iniciativa. No Estado, são mais de 1,5 mil famílias habilitadas e cerca de 6,4 mil imóveis disponíveis.
— O mutirão é um momento de resolver um grande problema, mas também de realizar o sonho de muitas famílias que nunca tiveram uma casa regular. Então, estão acontecendo juntas duas demandas de vida. A partir de agora, essas famílias terão um endereço, terão segurança, terão uma afirmação de cidadania — afirma o diretor de Habitação da Secretaria da Reconstrução do RS, Carlos Roberto Comassetto.
Os percalços para ter onde viver
Em Porto Alegre, cerca de 4 mil pessoas já foram cadastradas para participar do programa de compra assistida. Isso significa que os documentos foram enviados pela prefeitura para o governo federal analisar e habilitar essas pessoas para a compra da casa, processo que acontece através da Caixa. Alguns destes cadastros, no entanto, retornaram para a prefeitura efetuar correção e devem ser reenviados ao governo federal para avaliação e habilitação do beneficiário.
Apesar da mobilização das entidades para a compra e doação de casa aos afetados, nesta manhã chuvosa houve pouco comparecimento dos convocados no mutirão. A expectativa era de que 124 famílias fossem ao local dar continuidade ao processo de compra assistida. No entanto, apenas 30 delas apareceram para se informar e agilizar o tramite, segundo balanço da prefeitura. No segundo horário do dia, apenas 43 famílias foram. A previsão era de que 108 fossem atendidas naquele momento. No último período, 122 dos 147 chamados estiveram presentes.
No primeiro mutirão, 283 famílias compareceram ao evento. Cerca de 40 delas já estão com os documentos do imóveis escolhidos em cartório. Nas próximas semanas, a expectativa é de que elas já consigam entrar nos imóveis para morar. Até agora, porém, nenhum dos afetados pela enchente de maio que participou dos mutirões já conseguiu começar a viver dentro de uma casa do programa compra assistida. A primeira e única cidade a receber os mutirões da iniciativa é Porto Alegre.
— O processo é lento e muito burocrático — afirma Alessandra Lacerda, 25 anos, que morava na Ilha dos Marinheiros e aguarda por uma casa há cinco meses.
Ela relata que a água chegou a quatro metros na residência que costumava chamar de sua. A mulher precisou sair às pressas da região em que se criou, levando consigo o filho de cinco anos e a mãe, de 65. Com a casa impossibilitada para uso e todos os bens que tinha estragados, ela se abrigou na casa de parentes por alguns meses. Agora, ela custeia um aluguel para a família com ajuda do benefício de R$ 5,1 mil do governo federal. No entanto, ela está ciente de que é preciso agilizar a nova moradia para ter onde morar nos próximos meses.
— A minha casa ficou totalmente inabitável. Não tem o que fazer e nem como morar dentro. Eu vim hoje com a expectativa de sair com a minha casa, mas até agora não consegui encontrar um imóvel que contemple as necessidades da minha família — pontua.
Alessandra, que também atua como representante da comunidade, explica que os moradores da região das Ilhas estavam acostumados com pátios grandes e casas. Contudo, grande parte dos imóveis disponibilizados no programa são apartamentos, causando dificuldade de adesão e de identificação por parte dos afetados.
— Em apartamento também tem condomínio para pagar. Muitos não tem como assumir essa despesa, porque trabalham com reciclagem, pesca — avalia.
Ao longo do evento, a comunidade solicitou às entidades maior agilidade do processo e ajustes no tramite dos documentos. O secretário para a Reconstrução do RS, Maneco Hassen, afirmou em fala no evento que todas as demandas serão analisadas e reuniões serão feitas com a comunidade para o alinhamento do processo.
— Já fizemos muitas reuniões de trabalho e toda vez que aparecer algum problema faremos quantas reuniões forem necessárias para corrigir o andamento. Nosso objetivo é realizar o que tem sido a fala do nosso presidente da República: ajudar as famílias que foram atingidas a receber um imóvel — disse Hassen.
O programa
A demanda pela entrega de novas casas às famílias que perderam suas moradias durante a enchente é uma das mais urgentes atualmente no Estado. O Painel da Reconstrução, ferramenta desenvolvida pelo Grupo RBS para monitorar os investimentos do Poder Público após a tragédia de maio, acompanha as ações relacionadas a este tema.
Ainda no final de maio, o governo federal prometeu entregar casas novas a todas as famílias das faixas 1 e 2 do Minha Casa, Minha Vida, com renda de até R$ 4,7 mil, que perderam suas moradias durante a enchente. Uma das ações desenvolvidas para cumprir essa promessa é justamente a compra assistida de residências e o posterior repasse das propriedades a essas famílias. Esta é a primeira vez na história do programa que imóveis já prontos são entregues aos beneficiários.
Nesta modalidade de compra assistida, os imóveis que serão adquiridos e repassados têm um limite de preço de R$ 200 mil e não podem estar localizados em zona alagável. Além das unidades habitacionais já cadastradas no portal Caixa, cerca de 6,4 mil, o beneficiário também poderá optar pela vinculação direta, com negociação de imóveis não cadastrados no portal.
Etapas do processo:
- Emissão de laudos das casas em áreas atingidas pela enchente
- Análise da condição das casas
- Análise da situação das famílias e avaliação dos critérios do programa
- Aprovação e escolha dos imóveis por parte das famílias
- Compra do imóvel
- Envio de documentação e registro do imóvel feito em cartório
- Assinatura do contrato e entrega de chaves
As tarefas de cada um:
- Prefeitura: cadastrar um CPF de cada casa destruída pela enchente e fazer o laudo comprovando que a casa foi destruída pela cheia (etapa 1)
- Governo federal: verificar os cadastros e passar os nomes para a Caixa (etapas 2 e 3)
- Caixa: publicar os nomes dos habilitados e atendê-los para que escolham a casa que querem morar (etapas 4, 5 e 7)