A situação de regiões densamente populosas da zona norte de Porto Alegre é motivo de crescente aflição e indignação. Uma série de fatores hidrológicos e topográficos, descritos na sequência da reportagem, estão impingindo enchente prolongada em parte do Sarandi, no Humaitá e na Vila Farrapos. Há cerca de 20 dias debaixo d’água, vivendo precariamente, alguns deles acampados em vias públicas, moradores do Humaitá protestaram na tarde desta quarta-feira (22). Eles bloquearam parcialmente o sentido Capital-Interior da freeway na altura do km 94, próxima da Arena do Grêmio. A via foi liberada ainda no período da tarde. Confira abaixo, em esquema de perguntas e respostas, os motivos para a enchente prolongada na região e as possíveis soluções.
Em relação ao bairro Sarandi, um dos maiores da Capital, a prefeitura de Porto Alegre e o Departamento Municipal de Água e Esgoto (Dmae) instalaram as primeiras quatro bombas flutuantes emprestadas pela Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (Sabesp) no entorno da Estação de Bombeamento de Água Pluvial (Ebap) número 9, uma zona da cidade pouco habitada. O Dmae afirma que a decisão se deu por razões técnicas.
Perto dali, a casa de bombas número 10 segue em inatividade em razão do alagamento e sem o esforço de sucção, embora atenda região densamente habitada do bairro Sarandi. O Dmae afirma que é inviável acessar a região da Ebap 10 no momento por ela estar “completamente tomada de casas”.
O que contribuiu para a situação
Por que a água demora tanto a baixar em parte do Sarandi e no Humaitá e Vila Farrapos?
Hidrólogos apontam que essas regiões da cidade são protegidas por diques e casas de bombas. Dois dos diques ficam no Sarandi, que foram extravasados — a água passou por cima — e alagaram o interior dos bairros, o que é chamado de pôlder no sistema de proteção. Outro dique, em frente ao Humaitá, é a freeway. Neste caso, houve o rompimento da comporta 14 da defesa de Porto Alegre, por onde ingressou enorme quantidade de água primeiro no bairro Navegantes. Depois, se espraiou na direção do Humaitá e Vila Farrapos.
Essa água que entrou para dentro dos bairros é justamente a que não está saindo agora, mantendo a inundação persistente. É como se ela estivesse aprisionada do lado interno do dique. O cenário de dificuldade é completado pelo fato de diversas casas de bombas — responsáveis por expulsar para fora do pôlder a água da chuva — estarem inundadas e inoperantes. No Humaitá, está operante a casa de bombas 5, mas a 8, na Vila Farrapos, está parada. Para o lado do Sarandi, as estruturas de número 9, 10 e 21 estão inertes. A soma de diques extravasados com casas de bombas desligadas produziu alagamentos e inundações. Especialistas mencionam o motivo da longa persistência das enchentes, fator que atormenta a população.
— É uma condição da topografia. É uma região mais plana, a água não tem tanta velocidade. Temos muita água acumulada. É condição da região alagar e demorar a baixar — diz Fernando Magalhães, professor do Instituto de Pesquisas Hidráulicas da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (IPH-UFRGS).
Também do IPH-UFRGS, Fernando Dornelles destaca que os bairros citados têm, em algumas localidades, cotas de terreno variantes entre 1,80 metro e 2 metros. Ou seja, estão em nível abaixo do Guaíba, que segue acima de 3 metros. Com isso, a água fica acumulada e não escoa por gravidade pelas bocas de lobo.
Quais as alternativas?
Conhecedores do tema são objetivos: será fundamental o emprego de motores para liberar as regiões. Isso significa que, na prática, as casas de bombas precisam voltar a funcionar. Antes de operar, elas necessitam ficar livres da inundação e ter os motores recuperados. Depois, podem ser reativadas. Diretor-geral do Dmae, Maurício Loss destacou que o processo pode demandar entre 24 horas e 48 horas após o fim do alagamento na estrutura.
— Começamos a depender exclusivamente de casas de bombas para evacuar os pontos mais baixos. Vai precisar de drenagem — diz Dornelles.
Depois de reativadas, as casas de bombas são garantia de que irão operar a pleno?
Não necessariamente. Para chegar nas casas de bombas e serem lançadas para as bacias hídricas, a água dos alagamentos precisa passar por uma rede pluvial composta por tubulações, galerias e bocas de lobo. A força da inundação pode ter varrido para dentro do sistema lixo, móveis e todo tipo de objetos, além de quantidade excessiva de lodo. Dornelles destaca que, eventualmente, será necessário um trabalho técnico de desobstrução da rede pluvial para viabilizar o funcionamento mais efetivo das casas de bombas.
Seria possível estender mangueiras de escoamento sobre a freeway para aliviar Humaitá e Vila Farrapos?
O Dmae recebeu o empréstimo de nove bombas flutuantes da Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo (Sabesp) e duas delas operam junto à casa de bombas nove, no Sarandi. As demais estão em processo de instalação. Há questionamentos se elas poderiam ser usadas para evacuar a água presa no Humaitá e na Vila Farrapos. Em entrevista à Rádio Gaúcha, Loss considerou analisar a possibilidade, mas destacou que as bombas flutuantes, móveis, precisam de um lugar para extravasar a água sugada. No caso da zona do Humaitá, as mangueiras teriam de passar por cima da freeway, escoando no Rio Gravataí. O empecilho é fechar temporariamente a freeway, avaliou Loss, bloqueando o trânsito inclusive de ambulâncias. Outro dificultador, disse Loss, é que as mangueiras das bombas móveis da Sabesp, chamadas de mangotes, têm 20 metros de comprimento. Seria necessário trabalhar com emendas para tentar ultrapassar a freeway e chegar ao Gravataí.
E por gravidade, é possível escoar?
Somente quando o nível Guaíba baixar para a casa de dois metros, ficando equilibrado com a cota da topografia da região, o que ainda está em um cenário distante e sem previsão.
Algum ponto agravante?
Há previsão de chuvas em Porto Alegre para os próximos dias. Esse fator, somado à altura do terreno da região e à inoperância de parte das casas de bombas, poderá ampliar pontos de alagamentos.