O barracão está iluminado e movimentado, mas o som que vem lá de dentro não é o do repique, do tamborim, do surdo ou dos demais naipes de uma bateria de escola de samba prestes a desfilar no Completo Cultural do Porto Seco, na zona norte de Porto Alegre. O quesito que está valendo agora é o da solidariedade.
O galpão destinado à Unidos de Vila Isabel transformou-se em uma central de doações dos itens que as escolas de samba estão arrecadando. A maioria recebe os donativos nas próprias quadras de ensaios, porém boa parte está com os endereços alagados. O Porto Seco, dessa forma, vira o local seguro para o recebimento.
No abre-alas da agremiação de Viamão, que há menos de três meses cruzava a passarela tendo o cantor Neguinho da Beija-Flor como homenageado, era possível perceber alimentos, material de higiene pessoal, fraldas, marmitas.
Em outro espaço do barracão, as roupas e os calçados já estavam todos separados por tamanhos. À frente de uma outra alegoria que ainda não foi desmontada do Carnaval passado, cerca de 15 pessoas dormiam em colchões. Algumas crianças brincavam, curiosas observando restos de fantasias que ainda estão armazenadas.
Uma das pessoas abrigadas no barracão da Vila Isabel é Kelly Godói, moradora da Vila São Borja, uma das áreas mais atingidas pela enchente no bairro Sarandi, e que perdeu tudo o que tinha:
– No primeiro momento, foi um susto, mas quando chegamos aqui, nos sentimos bem, como se fosse nossa segunda casa. A gente ficou perdido, sem saber para onde ir, então é só gratidão – disse Kelly, uma das 100 moradoras provisórias que estão distribuídas nos galpões do complexo.
Para as duas ligas do Carnaval de Porto Alegre, o espaço não é adequado para acolher, de forma responsável, um número superior de pessoas:
– Aqui é uma fábrica, não é um abrigo, é um local insalubre, mas a gente conseguiu adaptar, por enquanto, mesmo sem condições de manter. No máximo, 10 pessoas em cada barracão é o que dá. Não podemos, por exemplo, botar criança perto de cola de contato. Solicitamos à Prefeitura que nos ajudasse com itens, como contêineres de chuveiro, mais colchões, uma cozinha para essas pessoas fazerem as refeições, a questão da saúde, da segurança – explicou Kelly Ramos, presidente da União das Entidades Carnavalescas de Todos os Grupos e Abrangentes de Porto Alegre (UECGAPA).
André Nunes Santos, vice-presidente da UESPA (União das Escolas de Samba de Porto Alegre), acompanha as famílias desde o primeiro momento de angústia:
– Resgatamos famílias que estavam com muita dificuldade para sair de casa. E agora estamos auxiliando famílias de seis comunidades do entorno, entregando 500 marmitas ao meio-dia, outras 500 à noite, além das demais doações, fazendo chegar diretamente onde não estava chegando.
Nos próximos dias, o barracão de uma outra escola, a União da Vila do IAPI, vai receber 200 pets e sete cavalos também atingidos pelas enchentes. Mais adiante, o galpão do Império da Zona Norte vai abrir os portões para itens para quando os desabrigados retornarem às casas. O espaço já começou a receber doações de móveis e demais utensílios para o lar.
- A nossa rivalidade é apenas depois da linha de desfile. É o povo do Carnaval unido - completa Kelly.