Faltavam 12 dias para o Dia das Mães quando a água começou a subir. A informação era de que não chegaria tão longe. Amparada pelo pior cenário até agora, de setembro de 2023, a esperança era de que a cheia alcançaria, no máximo, o pátio da casa, em Cruzeiro do Sul, no Vale do Taquari.
Em uma tentativa de se proteger, Natasha Karine Becker, 26 anos, seu filho de cinco meses de idade, Anthony Miguel da Rocha, e sua família foram até a casa de sua sogra, pois a residência se localizava em um terreno mais alto. Mas a água não tinha vergonha de assustar.
Sem luz e sem notícias, a madrugada de quarta-feira foi desafiadora. A família se deslocou até a casa da bisavó de Anthony Miguel, no mesmo pátio, mas que tinha um segundo piso como acalento. O bebê teve que ser equilibrado em um colchão que flutuava pelo líquido turvo que não parava de avançar.
Depois de algum tempo e da insistência do que seria a maior enchente da história do Rio Grande do Sul, Natasha, Anthony Miguel e o tio do menino entraram em um pequeno bote que, por sorte, estava disponível. E o cenário foi esse por mais de 12 horas de desespero. Na noite de quarta-feira, o pai de Anthony avisou que, dentro da casa em que estavam, a água já alcançava seu pescoço. Foi quando subir no telhado se tornou a única opção.
– Quebramos as telhas pela parte de fora e ficamos no terraço. Distribuímos as pessoas: ficamos eu, os dindos do Anthony, a minha sogra e o Anthony, porque o resto do forro da casa era de PVC. Distribuímos o peso, porque ficamos com medo que o telhado caísse para dentro– relata Natasha.
Anthony foi a força que uniu a todos
A mãe de Anthony conta que o menino foi quem manteve a força da família viva a espera do resgate. Com apenas cinco meses de idade, ele despertava a potência de uma criança inocente, que não entendia o que está acontecendo, mas ajudava a todos com seu sorriso.
–Meu filho é um guerreiro. Acredito que o motivo de ninguém se desanimar na hora e um manter o outro forte foi ele. Porque ele ficou o tempo todo rindo, fazendo graça e, em nenhum momento, ele chorou – descreve Natasha.
Meu filho é um guerreiro. Acredito que o motivo de ninguém se desanimar na hora e de um manter o outro forte foi ele. Porque ele ficou o tempo todo rindo, fazendo graça e, em nenhum momento, ele chorou.
NATASHA KARINE BECKER
Mãe de Anthony Miguel
Porém, com a água quase na altura do forro e a chuva incessante, a esperança de conseguir ajuda foi diminuindo. Os helicópteros sobrevoavam as áreas próximas, mas o telhado liso e as árvores e fios caídos dificultavam o resgate. E ao som de hélices e motores, a culpa tomava conta do coração apertado de Natasha:
–Eu ficava me culpando. Por que eu não tinha saído de lá com uma criança tão pequena? Só que, até então, a gente não tinha a informação de que seria uma água tão alta.
Nesse momento, a única coisa que sustentava a família em meio à água era a fé. Natasha conta que a reza era coletiva, e o pedido de ajuda, infindável:
–Eu só pedia: Deus, por favor, salva o meu filho. Eu já estava em um nível que eu não queria nem que eu saísse com vida, só queria que meu filho vivesse.
Resistência
Faltavam nove dias para o Dia das Mães quando o terceiro sargento Lucas Ferreira Leite, o segundo sargento Andryws Victor Nunes, o capitão Marlon de Souza Muniz, e o coronel Leandro Assumpção viram a sogra de Natasha em cima do telhado, balançando uma roupa do neto para indicar de que ali se encontrava um bebê.
Era sexta-feira de manhã quando a família foi, finalmente, resgatada pelo Exército Militar. A foto de Anthony sendo içado pelo helicóptero rodou o país e, com ela, surge uma história de superação e persistência de uma família que perdeu tudo, mas que, agora em local seguro, luta para se reconstruir.
– Por enquanto, estamos vivendo na casa da tia do meu marido e recebendo algumas doações. Estamos conseguindo nos reerguer e recomeçar tudo do zero, graças a Deus_ conta Natasha.
Gratidão e renascimento
Este domingo é Dia das Mães, e será o primeiro em que Natasha passará com seu filho. No último, ela ainda carregava Anthony em seu ventre. Quando a pergunta é o que essa data vai representar para a mãe, a resposta é direta:
– Gratidão e renascimento. Essas duas palavras. É um amor sem explicação de uma mãe por um filho. Só uma mãe sabe explicar. Antes de ser mãe eu não acreditava muito nisso, porque eu também não entendia muito bem como era. Mas hoje eu posso te dizer que o amor de mãe é uma coisa sem explicação. Acho que uma mãe morre mesmo por um filho. Não pensa duas vezes. E eu tenho certeza disso agora.
Para homenagear a todas as mães, GZH conta duas histórias. A outra parte é sobre um emocionante encontro que acabou resultando em uma adoção . Clique aqui para ler a reportagem.
Produção: Elisa Heinski