A operação montada para recolocar em funcionamento as estações de bombeamento e de tratamento de água do bairro Moinhos de Vento, em Porto Alegre, só foi possível graças à formação de uma força-tarefa informal que contou com a prefeitura, companhias de saneamento de outros Estados e empresários locais que se responsabilizaram pela compra de materiais em caráter de urgência e até pela mobilização de um time de mergulhadores. Mais de 40 profissionais do Departamento Municipal de Águas e Esgoto (Dmae) e de especialistas de outras partes do país se envolveram nesse trabalho dia e noite.
Localizada na Rua Voluntários da Pátria, a unidade que capta água do Guaíba e a bombeia até a estação de tratamento (de onde segue para 21 bairros, com sete hospitais) precisou ser desligada no dia 4 de maio em razão do avanço da cheia sobre a Capital. O volume de água no interior do prédio onde ficam os equipamentos era tão grande que chegou a uma altura de quase dois metros.
Para piorar, havia uma coluna de água de seis metros de profundidade até o fundo da espécie de poço onde ficavam os três conjuntos de motores e bombas. Antes de recolocá-los em funcionamento, seria preciso isolar a estrutura para manter a enchente do lado de fora, dispor de máquinas secas e, só então, religar o sistema.
Para isso, foi fundamental contar com apoio externo. Conforme o diretor-geral do Dmae, Maurício Loss, uma coalização de empresas e companhias de saneamento entrou em contato com o município e se colocou à disposição para driblar trâmites burocráticos. A frente privada local foi coordenada pelo diretor de engenharia da regional Sul da construtora Cyrela Goldztein, Gustavo Navarro, também integrante do Sindicato das Indústrias da Construção Civil do Rio Grande do Sul (Sinduscon-RS).
Uma primeira mobilização foi articulada por meio de um grupo de WhatsApp criado pelo secretário de Meio Ambiente, Urbanismo e Sustentabilidade (Smamus), Germano Bremm, com empresários de diversos ramos a fim de encaminhar demandas emergenciais da cidade envolta no caos. Em seguida, após uma reunião de urgência no Sinduscon, Navarro se dispôs a contribuir especificamente com a retomada do abastecimento de água da Capital.
— No mesmo dia, segunda-feira (6) à tarde, fomos recebidos no Dmae. Deparamos com um desafio enorme. Para dar conta do trabalho, contamos com parceiros nossos e o apoio do Sinduscon — conta o diretor da Cyrela.
O primeiro obstáculo era vedar portas e janelas da unidade de bombeamento de água bruta para permitir que fosse drenada internamente. Enquanto o município alugou um gerador de energia para ligar bombas de drenagem, a força-tarefa disponibilizou seis mergulhadores que instalaram placas de compensado naval (tipo de madeira resistente à água, também adquirida pela iniciativa privada) para vedar as aberturas.
— Como a água estava muito turva, os mergulhadores precisavam ir tateando o prédio para achar onde tinham de instalar o compensado — conta Navarro.
Quando a unidade ficou suficientemente seca, foi possível começar o trabalho de retomada do abastecimento.
Tivemos gente trabalhando 24 horas por dia
MAURÍCIO LOSS
Diretor-geral do Dmae
— Conseguimos acessar a sala de painéis e os motores. Recolocamos um em funcionamento, mas queimou depois de uns 40 minutos. Na terça-feira (7), tivemos de partir para um plano B — relembra Loss.
A segunda estratégia elaborada pelos técnicos, com auxílio de colegas da Corsan Aegea, das companhias de saneamento de Santa Catarina (Casan), do Paraná (Sanepar), de São Paulo (Sabesp) e de Minas Gerais (Copasa), previa deslocar um motor reserva da Estação São João, localizado nas proximidades em um ponto mais elevado, até a Moinhos.
Parte das empresas de saneamento entrou em contato com o departamento da Capital para oferecer ajuda diretamente, mas Porto Alegre também contou com uma articulação feita pela Associação e Sindicato Nacional das Concessionárias Privadas de Serviços Públicos de Água e Esgoto (Abcon-Sindcon).
— Tivemos gente daqui e de fora trabalhando 24 horas, tirando água de dentro, cuidando dos motores — conta Loss.
Grupo cogitou uso de helicóptero ou guindaste
Um primeiro plano para deslocar o motor de 2,3 toneladas desde a São João envolvia o içamento da máquina por um helicóptero do Exército. A ideia precisou ser descartada quando o grupo, em conjunto com os militares, avaliou que a aeronave teria de pairar tão perto da estrutura do Dmae que havia risco de o deslocamento de ar danificar os telhados.
Uma segunda estratégia avaliou o transporte da máquina por meio de um guindaste também do Exército, mas não haveria como deslocá-lo perto o suficiente da estação de bombeamento em razão do nível elevado da água nos arredores. A saída foi colocar o motor sobre um material flutuante e, assim, conduzi-lo até o local.
O esforço conjunto permitiu a religação da unidade na quarta-feira (15), quase duas semanas depois da enchente ter interrompido o bombeamento. Com o motor reserva, foi possível injetar e tratar 350 litros de água por segundo — vazão ainda insuficiente para abastecer todos os bairros de forma adequada.
Até esta sexta-feira (17), o Dmae estudava como colocar em operação um outro motor, cedido pela Companhia Catarinense de Águas e Saneamento (Casan), com quatro toneladas, e pelo menos um dos antigos motores da própria unidade que passou por um processo de recuperação. Com isso, seria possível alcançar um fluxo confortável de cerca de 1,5 mil litros por segundo.
Água pode demorar para chegar nas torneiras
O Dmae segue tentando instalar um novo motor para ampliar a capacidade de água no local, uma vez que, no momento, apenas um aparelho opera na estação de tratamento de onde sai a água bruta do Guaíba.
A novidade que ajudaria no abastecimento pesa quatro toneladas e, por questão de logística, o departamento conta com a ajuda do Exército para trazer o equipamento. Uma vistoria está para ser realizada a fim de avaliar essa possibilidade.
Se for possível, a previsão de normalização de abastecimento de água fica para sábado (18). Caso contrário, será preciso aguardar que os demais motores, que foram alagados, sequem. Nesse caso, a água deve retornar apenas no domingo (19).
Por enquanto, a água tratada não consegue ser bombeada em razão do baixo volume. Por isso, a pouca quantidade de água chega apenas pela gravidade, o que explica a baixa vazão em áreas já abastecidas.