Andre Luis Kologeski da Silva, 41 anos, dono da rede de pousadas Garoa — que tem 23 unidades em Porto Alegre, todas funcionando em espaços alugados — afirma que o serviço que oferece é de boas condições, com preços acessíveis para pessoas de baixa renda ou moradores de rua. Na última sexta-feira (26), o prédio situado na Avenida Farrapos, 305, incendiou, e 10 pessoas morreram.
A prefeitura de Porto Alegre tem contrato com a Pousada Garoa, que é vinculada à Fundação de Assistência Social e Cidadania (Fasc) e abriga pessoas em situação de vulnerabilidade. O local que pegou fogo funcionava também via aluguel social e atendia pessoas sem qualquer vínculo com a prefeitura que procuravam moradia a baixo custo. A edificação estava em situação irregular por não ter o Plano de Prevenção Contra Incêndio (PPCI) do Corpo de Bombeiros para funcionamento como hospedaria. Com uma câmera escondida, a RBS TV entrou em outras pensões mantidas pela empresa, e constatou condições precárias de estrutura e limpeza. Nesta segunda-feira (29), a prefeitura deu início a uma série de vistorias nas pousadas do grupo.
A seguir, leia trechos da entrevista que ele concedeu a GZH.
Como começou a relação com a prefeitura de Porto Alegre?
Em 2018, a gente começou um projeto-piloto com o prefeito Marchezan (Nelson Marchezan), pela Secretaria Municipal de Saúde. Começou com 12 pessoas. Como deu certo, foi aumentando, foi para 40. Quando o Sebastião Melo assumiu, como era um projeto interessante para a cidade, para a Fasc, eles continuaram. Começou com 60 vagas e foi ampliando. Quando começou lá com 12, a pousada Garoa já tinha 400 quartos em Porto Alegre. Abri a empresa em 2012. A gente tinha capacidade para a demanda que a prefeitura tinha. No pico da pandemia, cheguei a hospedar em Porto Alegre 500 pessoas, eu hospedava pela prefeitura e pelo Estado.
Em 2018, vocês foram procurados pela prefeitura?
Fazia seis meses que a prefeitura de Porto Alegre estava procurando pessoas que tivessem imóveis ociosos e quisessem alugar para pessoas em situação de rua por R$ 500. Era campanha. E nunca teve procura. Aí acho que começou a ter uma divulgação mais forte, até pelos veículos da RBS. Quando eu fiquei sabendo, eu liguei para a Secretaria da Saúde.
O senhor soube pela imprensa?
Pela imprensa. Liguei e disse que tinha 400 quartos, ofereci que fossem olhar. A moça da secretaria me falou no dia: "Quando pode vir conversar, pode ser agora?". No mesmo dia estive lá. Começou toda a tramitação. Preenchemos todos requisitos, a prefeitura foi no local, tirou fotos. Tenho tudo documentado.
Foi contrato emergencial?
Não lembro. Mas depois foi chamamento público e sempre é só a Pousada Garoa, ninguém mais se interessa. Não tem participação de outras empresas porque não há interesse em hospedar morador de rua. Até porque o valor é baixo. Talvez, seja esse o detalhe. Porque a estrutura que eu monto em Porto Alegre é simples, a gente oferece uma cama, armário com água, luz, internet e gás, e dentro de um valor que cabe no bolso de uma pessoa que recebe salário mínimo e queira morar em Porto Alegre. Meu foco sempre foi esse, tentar ajudar as pessoas que querem morar em locais bons, onde passa ônibus.
Quantas vagas são hoje?
Em 2023, a Fasc chegou a ter 450 vagas na pousada. Quando renovou para 2024, diminuiu para 400 e, hoje, são 350 ocupadas.
Quantos inquilinos a rede Garoa tem na Capital?
Devo ter 600 inquilinos e 700 quartos no total.
Quantas unidades da Garoa são?
São 23 unidades. Tem uma casa com 10 quartos, um apartamento com cinco quartos, é bem diversificado. Tem casa, apartamento, prédio. Todos alugados.
O senhor tem negócio com o governo do Estado?
Não. Só com a prefeitura e com Hospital Conceição. E tenho particulares.
De 2020 até hoje, o senhor recebeu R$ 6 milhões da prefeitura. É isso?
Se é o valor pago, é isso. Não tenho esse dado agora. Mas a gente paga impostos.
Depois do incêndio, veículos da RBS registraram situação precária em algumas unidades. O que o senhor tem a dizer?
Por exemplo, na Cidade Baixa, onde o Giovani Grizotti foi, tem 18 quartos e só um está vago, que é o mais simples e que ninguém quer alugar. Foi esse que ele olhou.
Mas foram mostradas más condições, lixo no corredor.
A questão do lixo: o fluxo de pessoas é muito grande. Limpa hoje e amanhã está sujo. A pousada tem equipe de limpeza. O que tem que estar claro: a gente sempre atendeu os hóspedes indiferentemente se ele é pessoa vulnerável ou não. Tratamos todos de forma igual. A gente sempre se preocupou com a limpeza. Esse quarto da Cidade Baixa, eu já pedi para o pessoal melhorar, pintar, arrumar, mas é o único quarto vago na unidade. Se fosse tão precário, a pousada não estaria quase lotada. Na Júlio de Castilhos (onde a RBS TV também esteve), tem extintores. São dois andares. O primeiro andar está ocupado e tem extintores. O segundo andar está desocupado, não tem extintores.
Outra equipe esteve em unidade na Benjamin Constant e mostrou fiação precária, divisórias de madeira.
Não existe que quarto de madeira é proibido fazer. Se fosse, as casas pré-montadas não seriam de madeira. Eu faço isso há 12 anos. A gente tem pluralidade de quartos grande: tem de madeira, alvenaria, gesso acartonado. Não há proibição de que seja de madeira.
Não pode brigar, roubar, fazer tráfico. Isso é assim desde que abri o primeiro quarto. Se o morador quebra essas regras, é desligado. Essas pessoa saem contrariadas, é óbvio que vão sair falando mal.
O que o senhor diz sobre as condições gerais das unidades da rede Garoa?
A pessoa em situação de rua é um perfil bem peculiar. Quando a pessoa vem morar conosco, não me interessa o passado dela, assim como meu passado não devia interessar. O que me interessa é, a partir do momento que pegou a chave dela e vai morar, a conduta dela morando na pousada. Não pode brigar, roubar, fazer tráfico. Isso é assim desde que abri o primeiro quarto. Se o morador quebra essas regras, é desligado. Essas pessoa saem contrariadas, é óbvio que vão sair falando mal. Mas é muito pequeno o número de denúncias ou reclamações perto da quantidade de pessoas que a gente hospeda. A pessoa tem a chave do quarto, ninguém é obrigado a ficar morando conosco. Se a pessoa prefere ficar morando conosco em vez de ficar na rua, acredito que isso deve ser levado em consideração. Hoje, nesta data, temos 350 pessoas hospedadas, mesmo após o incêndio. Se fosse tão negativo, não teria essa quantidade de pessoas morando conosco, iriam na prefeitura pedir para serem tiradas. As pessoas estão morando conosco porque querem estar.
A questão do PPCI, o fato de não ter, é uma falha sua?
A gente tem os encaminhamentos para ter o PPCI. Para que os Bombeiros pudessem emitir os alvarás posteriores — acredito que entendiam como sendo necessário. A gente tinha. Para tu ter alvará de localização, primeiro pedem que tu tenha algum vínculo com os Bombeiros e eu tenho alvará de localização.
A gente tem toda a documentação, mas vou apresentar isso para a Polícia Civil e o Ministério Público. Eu li o papel aprovado e ele diz atividade comercial, não diz especificamente escritório. E a pousada é atividade comercial.
O alvará de localização foi dado pela prefeitura?
Isso, mas, para a prefeitura dar, tu precisa ter algum vínculo com os Bombeiros antes. E esse vínculo pretérito a gente tem. A gente tem toda a documentação, mas vou apresentar isso para a Polícia Civil e o Ministério Público.
A prefeitura não exige o PPCI?
O que eles pedem, no meu entendimento, é que tenha algum vínculo com os Bombeiros para a emissão do alvará. A preocupação da pousada sempre foi essa, foi ter nem que seja entrada, informação ou ingresso do PPCI nos Bombeiros e o alvará de localização.
Os Bombeiros informaram na sexta-feira que a pousada chegou a ter plano de prevenção de incêndio para funcionamento de escritório e não de pousada.
Eu li o papel aprovado e ele diz atividade comercial, não diz especificamente escritório. E a pousada é atividade comercial.
Esse documento que fala em atividade comercial é dos Bombeiros? Como chama?
Não sei como chama, mas é um documento dos Bombeiros e, com esse documento, que a gente conseguiu que o pessoal lá da secretaria desse os alvarás. Isso é praxe. Depois que vi as declarações dos Bombeiros (na sexta-feira), eu fui atrás. Em nenhum momento, fala em escritório, fala em atividade comercial, e isso a pousada é.
Que detalhes o senhor tem sobre o incêndio.
Todas as evidências que temos, relatos, é de que entrou um sujeito sujo de sangue lá antes do incêndio e ele teria ateado fogo. O que me causa estranheza é o delegado dar entrevista dizendo que não via indícios de algo criminoso. Mas não tem cabimento, a perícia sequer terminou o trabalho. Entrou esse sujeito todo ensanguentado, parece que houve briga no viaduto.
Por que essa pessoa colocaria fogo?
Tem o morador que infelizmente foi uma vítima do fogo. Quando esse sujeito ensanguentado entrou, esse morador começou a gritar "vou te matar, tu é dos contra" e começou a chutar as portas. O guri da recepção me avisou por WhatsApp. Falei para chamar a Brigada (André não sabe se o funcionário chegou a fazer a ligação). E, logo em seguida, o fogo teve início. E o fogo começou no quarto 32, que não tinha morador nem fiação elétrica.
Todas as evidências que temos, relatos, é de que entrou um sujeito sujo de sangue lá antes do incêndio e ele teria ateado fogo.
Como o senhor sabe onde começou?
Meu colega viu, estava com extintor tentando apagar. Quando não conseguiu apagar, começou a gritar para todos saírem e chamou os Bombeiros. Meu colega relata, e outros moradores também, que o colchão estava em pé pegando fogo.
Vocês têm lá quartos sem janelas?
Temos com janela e sem janela. Mas sempre é o morador que escolhe, se quer ficar ou não. Temos os dois modelos.
Para documentação de funcionamento, é exigido que tenha janela?
Que eu saiba, não. A documentação de lei de hospedagem não sei informar. O que o contrato da prefeitura exige é que seja ambiente ventilado, e o prédio tem janela dos dois lados.
O senhor já foi chamado ao Ministério Público para dar explicações sobre problemas anteriores à ocorrência do incêndio?
Teve denúncia da pousada da Avenida Brasil, e tudo que o MP pediu a gente respondeu. Mas isso demora, acho que ainda está em aberto. Depois do incêndio (de sexta-feira), o mesmo promotor pediu para me ouvir, para saber o que a gente fez com as pessoas da pousada. A gente acolheu todo mundo. Na mesma noite, a gente levou para outras unidades. E quem ficou ali pela frente, a pousada deu assistência, lanches.
O que vocês recebem da prefeitura por vaga?
São R$ 550 por vaga. Às vezes, coloco as pessoas da prefeitura em quarto com banheiro privativo que é de R$ 1 mil, mas recebo os R$ 550. A gente hospeda família e cobra por uma pessoa só, num quarto maior. Essas coisas são importantes. A gente hospeda casais homoafetivos, pessoas com pets. Onde tem pátio, deixamos ter cães. Até no quarto, se for animal pequeno. Hospedamos pessoas das ilhas depois das enchentes. A polícia já levou pessoas para hospedar conosco, quando tiram de trabalho análogo à escravidão. Esse trabalho social é muito importante para a cidade e a sociedade precisa saber.
O senhor respondeu a processos e teve uma condenação por estelionato. Pode falar sobre isso?
Não tem a ver com a pousada. Tive processos e foram todos sanados na Justiça. Estou em dia com a Justiça. Em 2012, entrei na faculdade de Direito. Em 2016, me formei e passei na prova da OAB. Em 2018, me formei na pós-graduação com ênfase em Segurança Pública e, em 7 de maio, vou defender dissertação de mestrado em Direito Humanos. Tive artigos meus publicados, que tratam sobre pessoas em situação de rua e na temática de direitos humanos. Não me crucifiquem. Minha dissertação de mestrado tem 25 entrevistas com pessoas que moravam nas pousadas Garoa. Minha base de dados são as entrevistas com essas pessoas.