Por Adriane Hilbig
Presidente do Conselho Curador do Porto Alegre Convention & Visitors Bureau e vice-presidente da Associação Comercial de Porto Alegre. Diretora do Grupo Cisne Branco
“Deus ao mar o perigo e o abismo deu. Mas nele é que espelhou o céu.” O trecho do poema Mar Português, de Fernando Pessoa, retrata o cenário desafiador que acompanhava as grandes navegações lusitanas dos séculos 15 e 16. Esse contexto, como nos mostra o poeta, estava envolto em um aparente paradoxo: se, por um lado, as águas representavam situações de riscos e aventuras, por outro eram um reflexo do paraíso – com toda sua amplitude e beleza.
Dedico minha vida ao turismo náutico. Em 1976, ainda uma adolescente cheia de sonhos, acompanhei meu pai, Alfonso Pedro Hilbig, em toda a construção do Cisne Branco. Dois anos depois, inauguramos o barco que se tornaria um ícone de Porto Alegre e que opera até hoje. Na época, eu estudava de manhã e, à tarde, ficava na extinta Doca Turística, no bairro Navegantes. Com 15 anos, meu trabalho era fazer a locução do passeio pelo Guaíba, indicando os locais e contando curiosidades aos passageiros. Inicialmente, por inexperiência, eu só repetia o que o comandante e os marinheiros me relatavam. Depois, fui aprendendo e evoluindo dentro e fora da embarcação.
Ao longo desses 45 anos, minha atividade profissional me fez ter um olhar especial para as águas. Por outro lado, percebi que nosso país, aparentemente, tem medo delas. E não porque, como nos versos de Pessoa, convivamos com as mesmas dificuldades dos antigos navegadores que cruzavam o Atlântico e outros oceanos. Mas pela forma como nossas cidades se relacionam com seus lagos, rios e mares. Nem sempre nossa atividade foi reconhecida e incentivada como deveria ser.
Em Porto Alegre, as cinco embarcações que fazem passeios atualmente têm papel fundamental ao apresentar aos turistas o que a capital dos gaúchos tem de melhor. O Guaíba, com 70 quilômetros de orla navegável, é uma joia rara, ainda não completamente explorada. Uma das únicas capitais banhadas por água doce no país, a gaúcha tem potencial para se posicionar como destaque no cenário náutico. Essa característica não é apenas uma particularidade geográfica, mas uma vantagem, já que a água doce melhora o desempenho das embarcações em comparação à salgada, reduzindo custos e diminuindo a manutenção.
A nova orla do Guaíba, o Parque do Pontal e o recente leilão do Cais Mauá, que traz esperança de revitalização da antiga área portuária na área central da cidade, nos colocam diante de uma grande oportunidade. Aliado a isso, a revisão do Plano Diretor de Porto Alegre tem entre os seus cinco objetivos macro, elogiavelmente, qualificar os espaços públicos e potencializar a utilização do Guaíba. Isso significa que, dentre as infinitas demandas de uma metrópole do porte da nossa, os gestores públicos e técnicos envolvidos nos estudos elencaram o Guaíba como uma das prioridades máximas dentro do planejamento urbano para a cidade que queremos ser. Estamos olhando para nossas águas com a devida atenção! E isso é louvável e muito motivador.
Aperfeiçoar a legislação é preciso, mas devemos investir também em uma mudança cultural da sociedade. Temos muito a aprender com cidades pelo mundo que souberam aproveitar seus recursos hídricos de maneira inteligente e sustentável. Precisamos valorizar mais o turismo e o transporte fluvial, além dos clubes náuticos e dos proprietários de embarcações, que fazem parte de uma indústria significativa que gera riqueza, empregos e arrecadação de impostos.
A água doce que banha a Capital é um tesouro que, se explorado com sabedoria, pode trazer benefícios econômicos e ambientais duradouros. Marinas, atracadouros e acesso facilitado ao rio serão fontes de receita para toda a cidade. Porto Alegre, ao se conectar não apenas ao Guaíba, mas também à Lagoa dos Patos e, consequentemente, ao Oceano Atlântico, pode se posicionar como um destaque no cenário náutico internacional.
A revisão do Plano Diretor, nesse contexto, é um sinal extremamente positivo de que diversas ações relacionadas ao Guaíba serão contempladas e implementadas. É hora de superar os medos e mirar para o lago com os mesmos olhos do poeta: um reflexo do mais lindo pôr do sol e de um grande futuro para a cidade.