No século passado, 1968 ficou conhecido no mundo como o "ano que não acabou". No caso do Grêmio, ele pode ser, neste sábado (6), o ano que se repete se conquistar o hepta contra o Juventude, na Arena. Uma vitória vai refletir na história gremista de 1968. Aliás, ganhar esta decisão fará que o clube ostente o terceiro heptacampeonato em 104 anos de Gauchão.
Assim como neste sábado, o título lá em 1968 também veio em um confronto com o Juventude. Porém, em vez de uma tarde de outono, a festa foi feita numa noite gelada daquele 25 de agosto, em um Estádio Olímpico com 14 anos de vida e com um único anel.
Aliás, a Porto Alegre daqueles dias de inverno rigoroso era uma cidade ainda em desenvolvimento. Os bondes elétricos ainda faziam as linhas Petrópolis, Glória e Partenon. Também naquele 1968, o presidente Costa e Silva havia descido em Porto Alegre para inaugurar a Cidade Universitária da PUCRS.
A obra tinha sido iniciada em 1957, na chácara dos maristas, e, ao longo daqueles anos, os alunos eram transferidos do campus no Centro para os novos prédios. Ainda assim, havia muita área a ser ocupada. O espaço entre o Champagnat e a Reitoria era um imenso terreno descampado.
A Avenida Ipiranga, com seu riacho, era uma via expressa com duas faixas em cada lado. A dor de cabeça dos porto-alegrenses, naqueles dias, era com a obra na Avenida Independência. Os transtornos, inclusive, estavam registrados no texto sempre provocativo e pontiagudo de Carlos Nobre, em sua coluna "Oba, Guaíba", em Zero Hora.
Nobre adotava um tom sempre crítico. Paulo Gasparotto, por sua vez, trazia em sua coluna social o lado mais suave de uma Porto Alegre com ares interioranos. Naqueles dias de decisão no Gauchão, por exemplo, registrava as férias rápidas pela Guanabara de uma jovem de sobrenomes tradicionais. Ou contava bastidores do show de Elis Regina para um público seleto no Clube do Comércio.
— Vim a Porto Alegre para as bodas de papá e mamã — revelou Elis ao colunista.
No cenário político, repercutia o discurso do presidente da Assembleia, Valdir Lopes (MDB), como paraninfo na formatura de uma turma de normalistas em Lajeado. O emedebista defendia o fim da polarização:
— Com a maior facilidade, se qualifica alguém aqui de comunista ou entreguista. Sou um homem que não aceita essa opção. Defendo para o Brasil soluções brasileiras. Nem Washington, nem Moscou: Brasil. Nem Kremlin, nem Casa Branca: Planalto.
O fato é que o Brasil, naquela época, fervia e não tinha espaço para qualquer terceira via. Um mês antes, estudantes tomaram as ruas do Rio de Janeiro reivindicando mais investimentos e questionando a política de educação do governo.
Houve confrontos, e o mês de junho acabou com a Passeata dos 100 mil. O movimento ganhou ainda mais estímulo com tudo que havia acontecido em maio, em Paris, quando estudantes tomaram as ruas para protestar por mudanças do modo de vida francês à forma de ensino. O movimento se somou ao apoio dos sindicatos, e a capital da França explodiu.
Naquele julho, porém, o noticiário tinha manchetes de outras editorias. Numa Porto Alegre menos violenta, era manchete mais uma ação do Cara Larga, um ladrão que praticava roubos tão frequentes que tinha ganho notoriedade.
Ele havia sido reconhecido por um taxista, vítima de mais um roubo seu na madrugada. Cara Larga havia embarcado com um comparsa na Miguel Tostes com a Dona Laura, no bairro Rio Branco. Quando estavam descendo o "caracol da Auxiliadora", o fusca foi fechado por uma DKW, e o assalto se consumou.
No Esporte, claro, a iminência da definição do campeão gaúcho atraía as atenções. O Grêmio precisou contornar uma crise. O goleiro Alberto havia discutido de forma áspera com o técnico Sérgio Moacir Torres Nunes e especulava-se que ficaria de fora contra o Juventude, entrando Arlindo. Sérgio Moacir era um sujeito de temperamento forte.
Alberto acabou indo para o jogo. A duas rodadas do final, o Grêmio mantinha quatro pontos em relação ao Inter. Na época, a vitória valia dois pontos. Portanto, um empate bastava para conquistar o hepta de forma antecipada. Mesmo com a mão na taça, o vice-presidente Sérgio Ilha Moreira buscava tocar o coração da torcida dando a dimensão histórica daquele título:
— O torcedor que viu a chegada do homem à lua, a inauguração de Brasília, o bi mundial do Brasil, agora, pode ver o hepta do Grêmio.
Os tempos, as conquistas do homem, as revoluções e as transformações são outras. Mas, assim como lá em 1968, o Grêmio está a um passo de fazer história. A Porto Alegre é outra, o estádio é outro, mas a dimensão do título segue a mesma.