Você já imaginou chegar no Rio Grande do Sul vindo de outro país, de uma cultura completamente diferente e sem saber falar português? Essa é a realidade de imigrantes que chegam ao RS todos os anos. Segundo o Sistema de Registro Nacional Migratório (Sismigra), cerca de 1,3 milhão de imigrantes vivem no Brasil atualmente. No Estado, são mais de 93 mil pessoas.
Muitos imigram para estudar, outros para trabalhar ou para escapar de situações difíceis em suas terras natais. Ao chegar no Brasil, o migrante enfrenta outros desafios. Lisbeth del Valle Garcia Olivares é venezuelana e mora no bairro Jardim Planalto, em Esteio. Ela está no país há 11 meses e saiu da Venezuela devido à situação caótica que o país enfrenta. No Brasil, chegou junto ao seu marido e quatro filhos.
— Estar aqui no Rio Grande do Sul não foi um caminho fácil, passei por muitas dificuldades com meus filhos e marido. Alguns dias, tínhamos que passar fome. Não tinha dinheiro para lavar a roupa — afirma Lisbeth.
Ela é mais uma das diversas pessoas que receberam apoio da Associação dos Angolanos e Amigos do Rio Grande do Sul (AAARS), ONG que busca amenizar essa difícil realidade vivida por imigrantes no Brasil.
— Eles me apoiaram de uma forma que eu realmente sou muito grata. Com comida, eletrodomésticos, roupas, calçados, praticamente foram eles que fizeram com que meu processo aqui não fosse tão difícil — conta Lisbeth.
Propósito
Fundada inicialmente em 2008, com o objetivo de reunir a comunidade angolana inserida no campo acadêmico de Porto Alegre, a associação iniciou efetivamente suas atividades durante a pandemia da covid-19, em 2020, após perceber que muitos imigrantes precisavam de auxílio. Hoje, a AAARS presta apoio a mais de 1,5 mil famílias.
— A associação tem um papel completamente voltado à comunidade imigrante, atendendo a todas as nacionalidades, com foco em empregabilidade, segurança alimentar, assistência psicológica, doação de roupas. Em todas as demandas que a comunidade imigrante apresenta, a gente busca levar segurança a essas pessoas — esclarece Geraldino Canhanga do Carmo da Silva, mais conhecido como Kanhanga, um dos membros fundadores da Associação.
Kanhanga chegou ao Brasil em 2006, por meio de uma bolsa de estudos em Administração no IPA - Centro Universitário Metodista. No caso dele, diferentemente de outros imigrantes, chegou ao país com local para ficar e pessoas para orientarem sua vinda, cenário que é diferente da grande maioria das pessoas que imigram.
— Existem casos de imigrantes que conseguiram se estabelecer no Brasil, mas geralmente em condições mais favoráveis. A maioria dos imigrantes enfrenta dificuldades com a documentação, com as normas culturais e isso atrapalha muito a sua integração — afirma Kanhanga.
Por isso, a AAARS busca apoiar o imigrante com a regularização dos documentos, o atendimento psicológico, a doação de roupas e alimentos e a inserção no mercado de trabalho, que é o principal objetivo da associação.
— Quando o imigrante consegue um emprego, ele sai da situação de vulnerabilidade alimentar, então abrimos espaço para outros imigrantes — relata.
Atualmente, a entidade tenta conseguir um local fixo para servir como referência para os imigrantes que chegam ao Rio Grande do Sul e para facilitar a oferta de cursos.
Idioma também é dificuldade
A realidade é ainda mais complexa quando a limitação também acontece no idioma. Anne Dominique Milceus Bruneau é haitiana e vive no Brasil há mais de cinco anos. Ela saiu do país de origem devido ao terremoto que aconteceu no país em 2010. Apesar de ter formação como auxiliar de enfermagem, trabalha atualmente como monitora de callcenter. Ela conta que, além das dificuldades enfrentadas pela imigração no Brasil, o idioma atrapalha ainda mais a adaptação dos imigrantes haitianos. No Haiti, o idioma oficial é o crioulo haitiano, embora a maioria da população também fale francês.
— A maioria dos haitianos que vem para o Brasil, mesmo quando tem profissões fora do país, como médicos, engenheiros ou agrônomos, precisam trabalhar na limpeza, na cozinha ou em postos de gasolina por aqui, pois o idioma impede que se expressem, se defendam e isso acaba impactando na nossa estruturação por aqui. É somente isso que sobra — afirma Anne, que, além de fazer parte da AAARS, é presidente da Organização dos Haitianos no Brasil.
Ela conta que além do mercado do trabalho, quando o imigrante precisa de apoio em locais públicos, raramente encontra alguém que saiba falar o seu idioma, o que acaba dificultando ainda mais.
— Não há uma pessoa para traduzir o que diz o imigrante nos hospitais, no Sine, no aeroporto. Isso é muito difícil aqui no Brasil. Se um imigrante está sofrendo assédio no trabalho, com quem ele vai reclamar, como ele vai reclamar, será que as pessoas vão ter paciência com alguém que não fala português? — questiona a monitora.
Voo humanitário
Desde 2021, ela e outros imigrantes buscam junto ao governo brasileiro um voo humanitário para trazer familiares que estão no Haiti, país que corre risco de guerra civil, para o Brasil.
— Estamos lutando por um voo humanitário. Existem familiares que estão há 10 anos sem ver a sua família, muitos perdem mãe, irmão, filho, sem poder vê-los. No Brasil, não há voo comercial para o Haiti, somente fretado e não temos condições de pagar o valor que é cobrado para trazer cada parente. É difícil ir até a embaixada do Haiti por causa da situação de lá — relata Anne.
Para ajudar
Para auxiliar a AAARS como voluntário ou doador, você pode realizar uma contribuição pelo site da entidade (associacaodosangolanos.ong.br) ou entrar em contato pelo número (51) 99285-1595, que também é WhatsApp.
Produção: Murilo Rodrigues