Deixar a terra natal e embarcar junto dos pais em busca de melhores oportunidades em um outro país. Percorrer cidades, regularizar documentos e encontrar uma moradia. O roteiro, comum aos 1.834 imigrantes atendidos em 2022 pela prefeitura de Caxias do Sul vem carregado ainda pela dificuldade de comunicação. São imigrantes e os filhos, em pleno processo de alfabetização, que chegam às escolas sem entender o que falam os colegas e professores.
Até o início de agosto, de acordo com a Secretaria Municipal de Educação (Smed), a rede de ensino contava com 1.221 matrículas de crianças que não têm o português como língua materna. O número corresponde a 2,71% do total de 45 mil matriculados desde o nível de berçário até a Educação para Jovens e Adultos (EJA).
São crianças de origem venezuelana, haitiana e senegalesa que se comunicam em espanhol, crioulo haitiano e francês com seus familiares, mas que na escola encaram a dificuldade de compreender o conteúdo e se integrar aos colegas. Ainda de acordo com dados da Smed, só neste ano Caxias já acolheu cerca de pessoas provenientes de 50 nacionalidades.
Diante do cenário, estratégias foram criadas para que tantos idiomas e formas de se comunicar não sejam uma barreira de integração e não prejudiquem o aprendizado dos alunos.
Em parceria com o Programa de Línguas Estrangeiras (PLE) da Universidade de Caxias do Sul (UCS), 60 professores da rede municipal foram capacitados pelo Projeto de Recuperação e Recomposição das Aprendizagens (PRA). Segundo a responsável pelo PLE, professora Sabrina Fadanelli, os professores passaram a compreender de que forma as crianças adquirem uma segunda língua.
— Dentro da sala de aula, o professor acaba tendo dificuldade de encontrar formas para os enunciados fazerem sentidos para os alunos que não aprendem só conceitos, mas também um novo vocabulário. É um trabalho de ensino bilíngue que essas professoras precisam passar. Focamos nas pronúncias e principalmente na similaridade do espanhol em palavras que parecem ter o mesmo sentido em português, mas que podem confundir os estudantes — disse.
Pela proximidade com o português, a língua espanhola é compreendida com maior facilidade por alunos e professores. É no crioulo haitiano e no francês que se encontram as maiores dificuldades em sala de aula. Por isso, as próximas etapas do projeto deverão focar nas línguas faladas por quem chega de países como Haiti e Senegal.
— Às vezes existem outras crianças que já falam um pouco de português na escola e que acabam ajudando umas às outras. Nosso objetivo é auxiliar professores a entender as características dos idiomas e que podem interferir no aprendizado — conta Sabrina.
E-book incentiva aprendizado em diferentes idiomas
Nascido na República Dominicana e filho de haitianos, Dawendy Valvil, de 12 anos, chegou há três anos no Brasil com domínio do crioulo e do espanhol. Quando matriculado na Escola Municipal de Ensino Fundamental (EMEF) Afonso Secco, no bairro São Cristovão, precisou se adaptar a um terceiro idioma para entender os conteúdos em sala de aula.
— Hoje me viro, entendo muito bem, falar é um pouco mais difícil, mas já consigo ajudar meus pais a aprender o português — conta.
O que ajudou Dawendy, além da acolhida do ambiente escolar, foi um material desenvolvido pelo Instituto Federal do Rio Grande do Sul (IFRS). O e-book “Material didático de alfabetização para estudantes imigrantes e refugiados da Educação Básica”, disponível no site da instituição, auxilia estudantes a se familiarizarem com o português falado no Brasil e descomplica o aprendizado.
Multifuncional, a ferramenta une palavras, imagens e sons e se adapta aos conteúdos trabalhados em sala de aula. Proporciona ainda o intercâmbio entre estudantes de diferentes nacionalidades quando chamados à frente da turma para expor como determinada palavra é dita na sua língua materna.
— Uma coisa é aquisição da língua, outra é a alfabetização. Nesse processo de leitura e escrita, eles não sabiam nem na língua deles, nem na nossa. Então acolhemos o idioma deles e incluímos o material ofertado pelo IFRS para nos auxiliar — explica a diretora da EMEF Afonso Secco, Angela Honorato.
Em abril de 2023, o material completo e finalizado passou a ser disponibilizado para qualquer instituição educacional do Estado. Trabalhado de forma virtual na escola instalada na região de Parada Cristal, o e-book move a curiosidade dos 120 alunos matriculados.
Como os venezuelanos Manoel Vegas Lanza, 11, e Valéria Perez, 9. Tímidos e de poucas palavras, mas todas em português, os pequenos alunos talvez não percebam o quanto o material os ajuda hoje, mas basta vê-los espalhados em grupos de diferentes nacionalidades para ter certeza de como a comunicação tem funcionado.
A constatação é de Arthur Marques Rocha, 11. Caxiense, o estudante tem o português como língua materna. Mas possui colegas e amigos nascidos em outros países. Integrado a eles e com olhos de criança que ensinam adultos, não enxerga diferença, apenas diversidade:
— É legal, a gente aprende juntos, conversando — resumiu.