Entre os dias 22 e 26 de janeiro, um grupo de cem venezuelanos chegou às cidades de Frederico Westphalen e Seberi, no norte gaúcho. A entrada tem a ver com a Operação Acolhida, resposta do governo federal ao fluxo de venezuelanos que chegam ao país desde 2018. A estratégia prevê a interiorização e realocação gratuita desses migrantes, que deixam a Venezuela em busca de emprego e um novo recomeço em meio à crise do país vizinho.
No RS, o governo gaúcho tem parceria com a Organização Internacional para as Migrações (OIM-ONU), que estabelece locais de destino aos migrantes da Venezuela que chegam em Boa Vista ou Pacaraima (RR). Ao chegarem nos municípios, os migrantes são recepcionados pelas secretarias de assistência social.
Em Seberi, cerca de 200 dos 11,9 mil moradores são imigrantes. Eles chegaram na cidade em busca de oportunidades de emprego, principalmente no setor industrial. A Secretaria de Trabalho e Assistência Social auxilia na regularização de documentação e demais necessidades.
— Com a chegada desse novo grupo, a cidade já supera os 160 imigrantes. A administração municipal tem oferecido o suporte necessário no cuidado dessa população que, muitas vezes, chega ao país em situação de vulnerabilidade. Damos o suporte por meio do auxílio na regularização de documentos, doação de roupas, alimentos e objetos para casa — pontua o prefeito Adilson Adam Balestrin.
Em Frederico Westphalen, o atendimento aos imigrantes é feito desde 2021. Atualmente, 112 famílias são assistidas pelo Centro de Referência e Assistência Social (Cras). Ao todo, em torno de 200 venezuelanos vivem na cidade, que tem 32,6 mil habitantes.
A cerca de 230 quilômetros dali, o município de Tapejara tem população de cerca de 3,5 mil imigrantes, a maioria venezuelanos. Segundo o prefeito, Evanir Wolff, a cidade de 24,5 mil moradores criou um centro de atendimento exclusivo na área da saúde, que realiza 60 atendimentos por dia. Na educação, 10% das 3,6 mil crianças matriculadas nas creches, educação infantil e fundamental são migrantes, a maioria da Venezuela.
— Tapejara tem um atrativo em função do emprego, as pessoas buscam a cidade porque aqui há muitas vagas de trabalho, especialmente na indústria. Em geral, o poder público não sabe quando os imigrantes chegam: há uma comunicação interna e eles vão para onde há emprego. Na saúde, o impacto é de pelo menos R$ 4 milhões por ano e na educação R$ 3,5 milhões, custeado pelo próprio município.
Wolff relata que o município já pediu recursos junto da Casa Civil e Secretaria Estadual de Saúde (SES) e no Ministério da Saúde, para que esses órgãos pudessem auxiliar de alguma forma nas pastas de saúde e educação.
— Nossa cidade acolhe bem, mas é uma carga muito pesada para ser suportada apenas pelos recursos municipais — pontua.
Desafios
A recepção dos novos moradores nos dois municípios é feita com recursos próprios, sem repasses do governo estadual ou federal. Por isso, as prefeituras relatam desafios na gestão orçamentária, uma vez que a maioria das famílias chega com a perspectiva de trazer outros parentes.
— As dificuldades existem. Primeiro por conta da comunicação, mas também a questão de recursos. À medida que os imigrantes conseguem trabalho, eles vão trazendo mais pessoas e isso infla as casas onde moram. Tem famílias que vivem em oito pessoas e elas precisam de cesta básica, aluguel, educação — explica a psicóloga do Cras de Frederico Westphalen, Cátia Dalla Valle da Silva.
Além disso, a psicóloga relata o aumento na chegada de idosos, muitos com alguma doença prévia ou dificuldades de locomoção, o que afeta em uma série de políticas públicas do município.
— Eles devem ter acesso aos mesmos direitos e benefícios, mas há dificuldade em todas as esferas. Mensalmente, fazemos encontros com a população venezuelana para compreender as necessidades de cada família e tentar auxiliar — reitera.
De janeiro a novembro do ano passado, o Brasil aprovou mais de 117 mil pedidos de estrangeiros para se refugiar no país. Pelo menos 80% dos processos vieram de pessoas que saíram da Venezuela. Conforme levantamento da OIM, o RS recebeu 19,5 mil imigrantes venezuelanos entre 2018 e 2023. Desses, são 53% homens e 47% mulheres, sendo que 88% viajam em grupos familiares e 12% sozinhos.
Questionado pela reportagem de GZH, o governo do Estado informou, por meio de nota da Secretaria de Justiça, Cidadania e Direitos Humanos (SJCDH), que presta suporte técnico e informações para acolhimento de imigrantes. Também ressaltou que exerce papel consultivo para prefeituras sobre planos e políticas específicas de atenção à essas pessoas. A Secretaria de Desenvolvimento Social do Estado (Sedes) também divulgou nota em resposta a GZH.
Confira a nota da SJCDH:
"A Secretaria de Justiça, Cidadania e Direitos Humanos (SJCDH) do Rio Grande do Sul promove políticas voltadas para imigrantes, refugiados, apátridas e vítimas de tráfico de pessoas.
Dentro de sua competência, é responsável pela elaboração e articulação de cursos, capacitações e materiais informativos destinados aos serviços das redes públicas estadual e municipais, bem como à sociedade civil.
Essas iniciativas têm como objetivo sensibilizar e capacitar profissionais envolvidos no atendimento a esses grupos, buscando assegurar uma abordagem mais humanizada e eficaz.
A secretaria presta suporte técnico e informações para otimizar o acolhimento e a integração dos imigrantes. Também exerce um papel consultivo para prefeituras, oferecendo diretrizes e orientações sobre a implementação de planos e políticas específicas de atenção à imigrantes.
O Comitê de Atenção a Migrantes, Refugiados, Apátridas e Vítimas de Tráfico de Pessoas (Comirat/RS), sob a responsabilidade da SJCDH, atua como peça fundamental nesse cenário, agregando esforços e expertise para o desenvolvimento de estratégias abrangentes e eficazes voltadas à proteção dos direitos humanos dessas populações vulneráveis no Rio Grande do Sul."
Confira a nota da Sedes:
"A pessoa imigrante em situação de vulnerabilidade ou risco social faz parte do público atendido nos equipamentos, serviços e programas ofertados pelo Sistema Único de Assistência Social (Suas). Os Centros de Referência de Assistência Social (Cras) são importantes portas de acesso da pessoa migrante às ofertas socioassistencias.
Com o intuito de qualificar o atendimento para todo e qualquer público em situação de vulnerabilidade, a Secretaria de Desenvolvimento Social (Sedes) destinou, em dezembro de 2023, R$ 15 milhões do programa Avançar Suas para qualificação dos espaços físicos e aquisição de materiais para os Cras e os Centros de Referência Especializados de Assistência Social (Creas). Ao todo, 109 equipamentos já firmaram convênio."