À procura de emprego, condições dignas de vida e regularização de permanência, mais de 1,9 mil venezuelanos passaram por Passo Fundo, no norte do Estado, em 2022. A nacionalidade representa cerca de 60% do total de pessoas que foram atendidas pelo Balcão do Migrante e do Refugiado da Universidade de Passo Fundo (UPF) no ano passado.
Muitos deles chegam orientados por outros venezuelanos ou por empresas de Passo Fundo que oportunizam emprego para os imigrantes. Para quem chega sem orientação, o acolhimento é feito pela Associação de Venezuelanos em Passo Fundo, que arrecada e doa alimentos e roupas. Segundo dados da associação, 70% dos venezuelanos que estão na cidade estão estabelecidos e trabalhando em empresas ou prestando serviços.
— A Venezuela tem anos de atraso. Às vezes, as pessoas chegam aqui com telefone que nem dá pra se comunicar, ou com número que não é daqui. Então, a gente ajuda e orienta para que as pessoas se cadastrem o quanto antes na Polícia Federal, pois o prazo é de três meses até receber a documentação — comenta o representante da associação, Daniel José Martínez.
Uma vez no país, os imigrantes da Venezuela têm duas possibilidades de regular a estadia: por meio da documentação de refúgio ou de residência.
— Normalmente eles entram no Brasil por Roraima. Passam ou não pela operação acolhida. Caso passem, chegam aqui com documentos prontos e com contatos, seja de familiares ou de empresas. Mas, se vêm de fora da operação, chegam sem documento e um pouco mais perdidos — aponta a coordenadora do Balcão Migrante e Refugiado, Patricia Noschang.
É difícil precisar quantos venezuelanos estão em Passo Fundo no momento, por se tratar de um dado móvel, uma vez que as pessoas trocam de cidade em busca de melhores condições. Na secretaria de Cidadania e Assistência Social do município, a porcentagem é parecida com a do Balcão: cerca de 63% dos atendidos em 2022 vinham da Venezuela. Comparando os serviços dos anos de 2021 e 2022, houve aumento de mais de 820%, de 57 em 2021, para 526 em 2022.
Os sonhos
Em Passo Fundo há três anos e cinco meses, Carla Moreno, 34 anos, e Crismer Monrroy, 29, saíram da Venezuela em busca de qualidade de vida e de educação para o filho caçula, na época com sete anos. Ambos formados em cursos técnicos, tinham o plano inicial de conseguir emprego em cidades mais próximas à fronteira com o país, e chegaram a ficar em Roraima por cerca de três meses, antes de virem para solo gaúcho.
— Nós tínhamos vários planos, a situação estava bem feia para nós, ambos formados, e mesmo assim era bem difícil conseguir trabalho na Venezuela. Migramos pelo futuro dele (do filho), já não conseguíamos mais pagar a escola particular, nem as roupas para ele. Era bem complicado — relembra Carla.
Partindo de Ciudad Guayana, na Venezuela, o primeiro destino foi Boa Vista, em Roraima. Entre as dificuldades, o casal sofreu com o racismo, a falta de domínio da língua portuguesa e poucas oportunidades. Por meio de uma igreja vinculada à Operação Acolhida, foram destinados para Passo Fundo, em outubro de 2019. Com o primeiro valor recebido, enviaram roupas e material escolar para o filho e conseguiram trazer a família em janeiro de 2021.
— No início, foi difícil, não conhecíamos a cidade e nem ninguém. Trabalhamos provisoriamente em locais que não eram da nossa área, e naquele tempo não chamavam muito imigrantes em algumas empresas. Agora, vejo que é diferente, tenho perspectiva de crescer na minha área — afirma Crismer.
Paralelamente aos empregos, o casal tem sua produção própria de pães e sonha em abrir o próprio negócio para empregar a família e, principalmente, trazer o pai de Carla, que continua na Venezuela. Entre os quitutes, estão pães recheados com sabores doces e salgados, feitos com receitas venezuelanas, como o caxito.
— Enquanto isso, nós oferecemos tanto no nosso trabalho quanto aqui perto. Muitos nos dizem que não comiam pães há muito tempo, então, enquanto não abrimos nosso negócio, a gente ajuda essas pessoas — diz Crismer.
Balcão do Migrante e do Refugiado
Projeto de extensão do curso de direito da UPF, o Balcão do Migrante e Refugiado auxilia na formalização e regularização dessas pessoas no país. Há uma parceria com a Polícia Federal, que cede metade dos horários agendados para confecção de passaportes.
Em 2022, foram atendidos no projeto 3.153 imigrantes e refugiados, sendo 1.912 venezuelanos. Quanto às documentações emitidas, a coordenadora Patrícia explica que nem todos solicitam refúgio, pela dificuldade de reconhecimento:
— Muitos que solicitam refúgio acabam trocando para a residência, pela dificuldade de reconhecimento do documento de refúgio. É preciso renovar anualmente, e demora de três a quatro anos para ser analisado.
Associação
O grande fluxo de imigrantes em Passo Fundo se justifica, entre outras razões, pela assistência prestada pelo município junto à Polícia Federal. Desta forma, tornou-se necessário criar uma rede de apoio prestado por pessoas da mesma nacionalidade, e assim, nasceu a Associação de Venezuelanos em Passo Fundo.
— Como não é a mesma língua, a primeira coisa que nós encaminhamos são os documentos, para que eles consigam trabalhar. E também encaminhamos para algum curso, seja EAD (a distância) ou presencial, pois é importante que se profissionalizem — explica o integrante Daniel.
No momento, os trabalhos do grupo estão paralisados pela falta de espaço físico para armazenar as possíveis doações e de veículo para angariar e destinar os itens a quem precisa.
Assistência
Em 2022, o setor de assistência social de Passo Fundo atendeu 835 imigrantes vindos de 19 países. Desses, cerca de 63% eram da Venezuela. Entre os serviços prestados pela prefeitura, estão auxílio para emissão de documentação, oportunidade de emprego temporário pelo Programa Apoiar e Comprometer (PAC) e pernoite na Casa de Passagem.
De acordo com o secretário Saul Spinelli, a procura se dá, principalmente, pelo número de oportunidades de emprego que a cidade oferece:
— Passo Fundo é uma cidade referência, temos uma rede plena de assistência social, industrialização e principalmente o emprego, em que as empresas estão dando oportunidade para os estrangeiros.