Acolhidos há um mês na Casa de Passagem de Passo Fundo, no norte do Estado, dois homens que relatam ter fugido de Bento Gonçalves por conta das condições de trabalho a que seriam submetidos, aguardam auxílio para voltar para Salvador, na Bahia.
Com idades de 43 e 44 anos, ambos contam ter trabalhado para uma empresa de apanho de aves do grupo Oliveira & Santana, o mesmo investigado no caso de exploração de trabalho análogo à escravidão na serra gaúcha. O fato de terem fugido do local antes da denúncia os impediria de receber apoio oficial para retornar para casa, e agora buscam por ajuda, pois não têm dinheiro para comprar passagens para a Bahia. GZH entrou em contato com o advogado da empresa neste sábado (11), mas não obteve retorno.
Os homens, que terão suas identidades preservadas por GZH, dizem ter vindo para o Rio Grande do Sul em outubro de 2022, quando teriam assinado contrato com uma empresa de apanho de aves pertencente ao grupo Oliveira & Santana. Ambos teriam trabalhado por quatro meses em Bento Gonçalves, com a proposta de que receberiam salário de R$ 1,6 mil, com mais R$ 4 mil ao final dos quatro meses. Porém, dizem, nada disso ocorreu.
Após decidirem fugir do alojamento, ambos teriam procurado o Centro de Referência de Assistência Social (Cras) de Bento Gonçalves. No local, teriam recebido passagens para Passo Fundo e orientação de que procurassem a Casa de Passagem, onde eles estão desde o dia 10 de fevereiro. Agora, com auxílio da advogada Andreia Tavares, tentam angariar R$ 2 mil para bancar o retorno à Bahia.
Segundo a advogada, os dois trabalhadores não foram incluídos no procedimento em andamento em Bento por terem interrompido a prestação de serviço antes de a fiscalização ser instaurada pelo Ministério Público Federal (MPF) e pelo Ministério do Trabalho e Emprego (MTE). O auditor fiscal do trabalho Rafael Zan, do MTE, esclarece que os relatos relativos às empresas de empresas de apanho de aves pertencentes ao grupo Oliveira & Santana ainda estão em andamento:
— Os trabalhadores da safra de uva estavam todos nas mesmas situações, diferentemente do caso de apanho de aves, que diferem as situações e os prazos de vínculo com as empresas, o que torna a investigação mais complexa. São relatos bem graves e estamos investigando como tratar esses assuntos.
Andreia diz que duas ações serão movidas, uma indenizatória por conta das condições às quais os trabalhadores foram submetidos, e outra trabalhista:
— Temos a informação de que foi assinada a carteira deles, então eles têm direito a Fundo de Garantia, verbas trabalhistas e aos meses trabalhados, pois eles não receberam nada. Eles estão sobrevivendo da ajuda do município e dos familiares.
Relatos dos trabalhadores
Os trabalhadores dizem que precisavam arcar com todos os custos de estadia na Serra e recebiam bolachas e café antes da jornada de trabalho. Após, era entregue uma marmita que, segundo eles, continha comida fria e, por vezes, estragada. As compras de supermercado seriam realizadas em uma empresa por meio de conta, descontada diretamente do salário. Essa teria sido a justificativa dada a eles para não terem recebido nenhum valor pelo serviço prestado.
— Eu tinha certeza que ia receber a minha rescisão e ia retornar para a Bahia numa boa, mas não, quando assinei eu não tinha mais nada para receber, pois tudo ficou no mercado. Então eu não tinha outra opção. Ele me exigiu que eu fosse trabalhar na colheita da uva, avulso (sem contrato), mas como eu sabia que era tudo engano, eu resolvi fugir depois de ver os amigos sendo espancados e maltratados — relata o trabalhador de 44 anos.
As agressões físicas, segundo eles, eram recorrentes e sofridas pelos colegas. Por conta das longas jornadas de trabalho, os trabalhadores se sentiam exaustos e com dores e, ao reclamarem, ocorreriam as agressões:
— Éramos ameaçados com arma de choque, cacetetes, algemas e outras coisas que intimidavam a gente, ele (o chefe) mostrava arma de fogo e dizia que, para ele chegar onde está, já havia matado muita gente e que para matar mais um baiano era mole — afirma o mesmo trabalhador.
O outro homem, de 43 anos, conta que presenciou um dos fiscais da empresa mostrar uma munição de arma de fogo ao trabalhador ao ser questionado por um remédio para dores nas costas:
— Já vi pessoas tomarem um tiro de bala de borracha no pé por não querer ir trabalhar, ou por cismarem com a cara de um eles, eles espancaram mesmo. A pessoa trabalhava 24 horas seguidas, e se dizia que não queria ir trabalhar, eles espancavam até a pessoa ir. Quando pediam um remédio para dor, eles mostravam a munição de uma arma e diziam: “tá aqui o remédio para a dor”.
A prefeitura de Passo Fundo, por meio da Secretaria de Cidadania e Assistência Social, ofereceu oportunidade de emprego aos homens pelo Programa Apoiar e Comprometer (PAC), em que seriam pagos R$ 900 após 30 dias de trabalho. Porém, por conta do medo e de ameaças sofridas, segundo eles, por pessoas da empresa em que trabalhavam, ambos desejam o retorno assim que possível.
Contraponto
Neste sábado, GZH entrou em contato com o Grupo Oliveira & Santana e com o advogado da empresa, por telefone e por mensagem de WhatsApp, mas não teve retorno. Quando houver um posicionamento da empresa, o texto será atualizado.
GZH Passo Fundo
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