A Organização Mundial da Saúde (OMS) declarou o fim da pandemia de covid-19 em maio, mas os reflexos socioeconômicos da tragédia de saúde pública que se abateu sobre o mundo se tornam, aos poucos, mais conhecidos. Um estudo inédito no Rio Grande do Sul, concluído pelo Observatório das Migrações Internacionais no mês passado e obtido pela coluna revela, por exemplo, que a população imigrante no Estado foi o grupo social mais vulnerável à doença.
A pesquisa financiada pela Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio Grande do Sul (Fapergs) e coordenada pelo professor de Relações Internacionais da ESPM-Sul Roberto Rodolfo Uebel mostra que, enquanto a taxa de mortalidade na população geral no Estado era de 2,3%, entre estrangeiros chegou a 4,2%. No total, cerca de 428 mil migrantes foram infectados por covid-19 no Estado, número superior, por exemplo, ao de profissionais de saúde (cerca de 64 mil), que tinham contato diário com o vírus na linha de frente.
Do ponto de vista econômico, muitos estrangeiros perderam emprego, casas e renda. Grande quantidade regressou a seus países de origem ou remigrou para outras nações. Um dos problemas imediatos foi o fechamento das fronteiras.
- No caso dos haitianos, houve dificuldades de remessa de dinheiro - pontua o professor.
Quando a vacina foi descoberta, os migrantes também tiveram menos acesso ao imunizante: no Estado, enquanto a cobertura vacinal chegou a 89% da população em geral, entre os imigrantes o índice era de 85%.
- A gente verificou uma dificuldade muito grande, por exemplo, de venezuelanos terem acesso a serviços básicos de saúde, educação e de acesso a programas sociais do governo federal e estadual - conta Uebel.
O pesquisador salienta que, durante entrevistas com imigrantes, muitos relataram não saber que tinham direito a receber a dose de vacina, que o produto era gratuito ou que o imunizante estava sendo disponibilizado gratuitamente pelo Sistema Único de Saúde (SUS) também a estrangeiros.
- Entre os agentes públicos, havia falta de cartazes com avisos em espanhol, francês e inglês, informando que aquela população tinha direito. Essa foi uma questão que a gente encontrou e que justifica em parte essa baixa cobertura vacinal - explica.
Os dados da análise, que compreende de 2021 a 2023, foram obtidos via Lei de Acesso à Informação (LAI) junto a órgãos oficiais e comparados com o Sistema de Registro Nacional Migratório (Sismigra), da Polícia Federal (PF). O maior contingente de migrantes que ingressou no Estado em 2020 foi de venezuelanos (225), seguido de uruguaios (223), senegaleses e haitianos (cada um com 154 pessoas). O estudo contabiliza em 2020 uma população estimada variável entre 15 mil e 20 mil imigrantes, considerando os fronteiriços uruguaios e argentinos, que podem possuir dupla-nacionalidade.
Uebel salienta que a pesquisa tem a intenção de fazer um alerta para que a melhora do serviço público para que campanhas de saúde também levem em conta a população migrante. Ele destaca que prefeituras de municípios com grande concentração de estrangeiros, como Porto Alegre, Caxias do Sul, Chuí e Santa Vitória do Palmar, treinem seus servidores e criem ambiente de acolhimento para essa população. Essas são algumas das necessidades que seguem, mesmo após o fim da pandemia.
O estudo destaca que os impactos socioeconômicos da crise ainda não cessaram, e os imigrantes continuam como o grupo mais vulnerável à covid-19 e a suas implicações. Portanto, alertam os estudiosos, é importante que os governos continuem a adotar medidas para proteger essa população e garantir acesso à vacinação e aos serviços de saúde.