Indígenas da Retomada Multiétnica Gãh Ré receberam vereadores e representantes da prefeitura de Porto Alegre, na tarde desta terça-feira (20), para tratar das demandas de cerca de 70 integrantes das etnias caingangue e xoclengue. Eles requerem a demarcação de área aos pés do Morro Santana, na Zona Leste da Capital. O processo que pleiteia a ocupação do terreno e tramita na Justiça Federal está suspenso. O encontro foi promovido pela Comissão de Defesa do Consumidor, Direitos Humanos e Segurança Urbana da Câmara Municipal.
A cacica Iracema Gah Té Nascimento, principal liderança da comunidade, apontou que a demanda prioritária para o grupo, que está instalado no espaço desde o final de 2022, é o reconhecimento de que a área pertenceu aos seus ancestrais.
— Sei que esta terra é nossa. Mas o ser humano cria suas leis. E que existe uma lei que diz que (a propriedade) não é nossa. Mas nem eu e nem meus avós e bisavós vendemos para ninguém. O banqueiro (empresa que sustenta ser proprietária da terra) comprou de quem? Protegemos o morro e as árvores. A água que nasce aqui corre e fortalece o Guaíba. Acredito na Justiça dos homens. Espero que meus filhos e netos possam viver aqui — descreveu.
No entanto, após pouco mais de um ano estabelecidos no imóvel da Maisonnave Companhia de Participações, que alega ser proprietária do terreno, os indígenas continuam em situação precária. Famílias moram em casas feitas com madeiras em formatos irregulares, sobras de construções e lonas como telhados. Falta eletricidade e água potável em parte das moradias. Também não há banheiros em todos os casebres, nem sistema de esgoto no local.
Diante desta situação, o grupo está pedindo a doação de tábuas e telhas. Também solicitou tubulações para estender a rede de água a mais moradias da ocupação.
A comunidade disse à comissão ainda ter projetos, como erguer uma casa de reza e uma tenda cultural para comercialização de artesanato. Outra demanda é de material para ampliação da escola local, onde oito crianças e dois adolescentes recebem lições de conteúdo educativo convencional em metodologia bilíngue.
— Uma professora formada, que é integrante da aldeia, ensina português, matemática, história e ciências em língua portuguesa e em idioma caingangue. A intenção é ampliar para que os adultos possam ser alfabetizados também neste mesmo local — contou a pedagoga e ativista social Kerly Ferro, que atua como voluntária na comunidade.
A reunião da comissão foi coordenada pelos vereadores Pedro Ruas (PSOL) e Alvoni Medina (Republicanos). Também estiveram na atividade os parlamentares Adeli Sell (PT), Fernanda Barth (PL) e Abgail Pereira (PCdoB), além de servidores da Secretaria Municipal de Educação, do Departamento Municipal de Habitação (Demhab) e da Secretaria Municipal de Desenvolvimento Social, e de voluntários e representantes da comunidade.
A partir da visita, os vereadores pretendem estabelecer um diálogo com a Fundação Nacional dos Povos Indígenas (Funai). O objetivo é que o órgão se envolva mais com a questão, bem como priorize a demarcação da área. Os parlamentares também se comprometeram em auxiliar os indígenas a participarem de feiras de artesanato em Porto Alegre.
As representantes do Demhab Ana Carolina da Rocha e Rosane de Oliveira prometeram que o departamento doará telhas e materiais de construção.
Justiça Federal intermedia conciliação
Quatro meses após a retomada — como indígenas chamam a ocupação de territórios que alegam ter pertencido ao seus ancestrais —, em março de 2023, uma decisão judicial determinou a reintegração da propriedade em favor da Maisonnave.
Recursos foram ajuizados pela Funai, pelo Ministério Público Federal e pelos próprios indígenas, argumentando sobre a vulnerabilidade da comunidade, composta majoritariamente por mulheres, crianças e idosos. Em 22 de março, nova decisão proibiu uso da força para a reintegração. Diante do feito, indígenas decidiram permanecer no local.
Nesta terça, em resposta a pedido de informação, o Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4), encaminhou nota para atualizar sobre o estado do processo.
"A reintegração de posse foi suspensa e a tramitação do processo também, desde ano passado, porque foi determinado que os autos permanecerão sobrestados enquanto durarem as tratativas para resolução consensual da desocupação, a serem efetivadas pelo Sistema de Conciliação da Justiça Federal da 4ª Região. Enquanto estiver em etapa de conciliação, o processo não vai ser julgado", informou a nota.
GZH tentou contatos com o advogado Carlos Mazeron Fonyat Filho, representante da Maisonnave na ação, mas até a publicação desta reportagem não obteve retorno. Em reportagens anteriores, Fonyat Filho havia informado que seu cliente se pronunciaria apenas nos autos.