Uma nova decisão da Justiça Federal suspendeu a possibilidade de reintegração de posse com uso da força para retirada de comunidade indígena em área da zona leste de Porto Alegre. Cerca de 40 pessoas das etnias caingangue e xoclengue ocupam, desde outubro do ano passado, um terreno localizado no Morro Santana. O imóvel é reivindicado pela empresa Maisonnave Companhia de Participações.
Na decisão, a juíza federal Tani Maria Wurster mantém o reconhecimento, em caráter liminar, da posse pleiteada pela construtora, mas elimina a possibilidade de que uma ação seja realizada com apoio de forças policiais para retirada das famílias acampadas no local.
Os indígenas sustentam que se trata de território onde viveram seus ancestrais. A cacique e anciã da etnia caingangue, Iracema Nascimento, é a principal liderança e define a ocupação como "retomada". Iracema manteve greve de fome por uma semana, em dezembro passado, como protesto. Na semana passada, um grupo de integrantes realizou manifestação na sede da Funai na Capital.
Já a Maisonnave argumenta que a área é de sua propriedade e, no local, há cerca de três décadas, funcionava uma sede esportiva e recreativa para o lazer de funcionários da empresa. Partes de edificações ainda podem ser observadas no local.
Decisão manda criar câmara para tentativa de conciliação
No despacho, além de suspender a desocupação forçada, a juíza federal também ordena a formação de um procedimento para tentativa de conciliação entre a comunidade e a empresa. A decisão da magistrada altera a determinação anterior, que autorizava o emprego de força para desocupação da área.
O prazo se extinguiria nesta sexta-feira (24) e a Justiça Federal planejava realizar uma visita ao acampamento para vistoriar e constatar sua permanência, antes da adoção de outra medida.
Diante da ordem proferida na semana passada pela juíza federal Maria Isabel Pezzi Klein, da 9ª Vara Federal de Porto Alegre, três recursos deram entrada contestando a decisão. Foram questionamentos do Ministério Público Federal, da Funai e da própria comunidade, os quais resultaram no atual desdobramento.
A câmara de conciliação não tem prazo determinado para a conclusão de suas atividades. Audiências são realizadas e os magistrados avaliam o progresso e o eventual esgotamento da viabilidade de acordo. Não sendo possível, o processo volta aos trâmites convencionais.
Despacho anterior realocaria indígenas em espaço de outra etnia
Advogado da ONG Conselho de Missão entre Povos Indígenas da Fundação Luterana de Diaconia (FDL-Comin) e representante da comunidade na ação, Dailor Sartori Júnior diz que havia "inconstitucionalidade" na decisão anterior, pois ela ordenava a realocação de indígenas caingangue e xoclengue em espaço de comunidade guarani mbyá, o que, segundo o advogado, é vedado pela Constituição.
— Também se trata de uma questão humanitária, já que há uma comunidade constituída, formada por crianças, adultos e idosos. São pessoas que estão estabelecidas, trabalham e estudam na cidade. Recebem visitas de escolas e estão integradas ao cotidiano daquela comunidade — aponta o advogado.
Procurado por GZH, o advogado da Maisonnave Companhia de Participações, Carlos Mazeron Fonyat Filho, não atendeu aos telefonemas e não retornou às mensagens a ele enviadas até a publicação desta reportagem. Em ocasião de decisão anterior, Fonyat Filho havia informado que a empresa tem intenção de manifestar seus argumentos apenas no processo.