Há 50 anos, o caminho até as praias do Litoral Norte ficou mais curto para os gaúchos. Em 26 de setembro de 1973, era inaugurada a BR-290, conhecida popularmente como freeway.
A primeira autoestrada do país foi um divisor de águas na história do Estado: as viagens de carro, que antes podiam levar até quatro horas, deixaram de ser perigosas aventuras para os motoristas e verdadeiros testes de resistência para os veículos.
Veja, abaixo, algumas curiosidades das cinco décadas da estrada:
O primeiro carro na freeway
Às 6h de 27 de setembro de 1973, 18 carros aguardavam desde as 3h da madrugada sobre a Ponte do Guaíba pela largada para acessar a freeway. O primeiro veículo a andar pela estrada foi um Corcel marrom, com placas AA-2695.
No sentido contrário, o primeiro veículo a chegar a Porto Alegre vindo pela freeway foi um Volkswagen vermelho, com placas AJ-7243 e dirigido pelo funcionário da prefeitura da Capital Aurélio Nunes Barcelos, que estava acompanhado por dois amigos. O relógio marcava 6h13min.
Além disso, 300 caminhões aguardavam a largada em Osório. Curiosamente, quando foram autorizados a trafegar pela rodovia, o primeiro veículo a conseguir o feito foi um carro Volkswagen preto, de placas ignoradas.
Problemas na estreia
Foram 26 patrulheiros e inspetores em duas viaturas com maca, dois Volkswagens, duas motocicletas, dois carros-socorro e dois caminhões para apreensões de animais atuando no primeiro dia de liberação da freeway.
E era preciso fiscalização mesmo. No km 20, em Gravataí, pessoas cortaram uma cerca de arame para cruzar a via. Um cavalo passou pelo buraco e precisou ser removido da pista pela Polícia Rodoviária Federal (PRF).
Já no km 13, pessoas arremessavam pedras de cima do viaduto sobre os carros. Os patrulheiros mandaram todos embora do local.
Próximo ao acesso a Gravataí, alguns motoristas se atrapalharam e andaram trecho da rodovia na contramão.
Primeiros acidentes
Os dois primeiros acidentes da freeway foram registrados no segundo dia de liberação da rodovia. Um caminhão Mercedes Benz, dirigido por Paulo Baltazar Scheffer e com placas YE-5309, de Torres, se deslocava da praia para a Capital carregando frutas e legumes. O motorista pegou no sono, o veículo saiu da pista e tombou no fosso no meio da rodovia. O acidente ocorreu no km 43, às 22h30min daquela quinta-feira.
O segundo acidente também envolveu um caminhão, dirigido por Celso Manchein e com placas AW-0891, de Florianópolis. Às 3h da madrugada, o motorista dormiu ao volante e o veículo, que transportava máquinas de lavar roupa, sardinhas enlatadas e outros materiais, também virou no fosso. Nenhum deles ficou ferido com gravidade nos acidentes.
Quatro outros caminhoneiros que estacionaram no acostamento da rodovia para dormir foram advertidos pelos patrulheiros e seguiram viagem.
Primeiro pneu furado
Um corcel branco dirigido por Valdir dos Santos, com placas AK-6692, que viajava para Torres, foi o primeiro a ter o pneu furado na freeway. Às 6h40min, o motorista trocava o pneu do veículo a 100 metros do posto da Polícia Rodoviária Federal de Gravataí.
Avião pousa na estrada
A autoestrada também foi palco de cenas inusitadas. Um caça monomotor da Força Aérea Brasileira pousou no km 27 da freeway, a cerca de 500 metros do posto da PRF de Gravataí, no dia 7 de janeiro de 1975.
O avião, prefixo T6D da Base Aérea de Canoas, voltava de um treino em Camobi, em Santa Maria, com dois tripulantes. A comunicação por rádio havia sido interrompida em função do mau tempo.
Em torno das 19h30min, o piloto começou a sinalizar com luzes para o posto solicitando um pouso de emergência, após tentar descer em Osório sem sucesso. Um inspetor da PRF entendeu o sinal e interrompeu o trânsito na pista Porto Alegre-Osório. Em cinco minutos, o avião pousou, sem percalços.
Partos na freeway
A pequena Nina nasceu após 40 semanas de gestação dentro de uma UTI Móvel na freeway. O parto de emergência ocorreu em um sábado, 5 de novembro de 2016. Era a segunda filha do casal Alencar Massulo de Oliveira e Paula Cardoso Lucena, ambos moradores de Santo Antônio da Patrulha.
Os dois pegaram a estrada em direção ao Hospital Divina Providência, de Porto Alegre. As contrações se intensificaram na mulher e foi preciso pedir auxílio pelo SOS Freeway. Em Gravataí, uma equipe médica da Concepa se encontrou com o casal e pretendia conduzir a gestante para um hospital de Cachoeirinha. Não deu tempo. O bebê chegou ao mundo com saúde, 45 centímetros e pesando pouco mais de três quilos.
Outro parto ocorreu na rodovia em 30 de janeiro de 2019. A manicure Wenia Gomes de Oliveira deu à luz sua terceira filha, Maria Alice, no banco traseiro de um carro com pneu furado, parado no acostamento da freeway.
A mãe da bebê, moradora de Santo Antônio da Patrulha, chegou a ir a dois hospitais antes. No primeiro, foi mandada de volta para casa, enquanto o segundo não tinha maternidade. O carro furou o pneu na estrada e a menina nasceu com 40 semanas de gestação.
Primeiros biquínis da "era freeway"
Em 8 de outubro de 1973, Zero Hora publicou grande matéria com várias fotos onde se lia o seguinte título: "Primeiros biquínis da Era Freeway". Trecho do texto dizia: "O vento forte prejudicou, um pouco, mas os biquínis voltaram a aparecer, contrastando com as calças Lee e mesmo blusões usados por muitos jovens".
Na reportagem, foi citado que naquele fim de semana, conforme a PRF, mais de 20 mil carros passaram pela autoestrada.
Outras curiosidades da freeway:
+ Os trabalhos para a construção da Freeway começaram em 27 de agosto de 1970. As tempestades atrasaram o cronograma em um ano. As obras levaram 1.225 dias para serem concluídas.
+ Entre 29 de maio e 28 de junho de 1972, os operários só conseguiram trabalhar durante cinco dias devido às chuvas incessantes do período. A região era constituída por várzeas, terrenos alagados e campos.
+ Um total de 3 mil operários construiu a freeway. Foram utilizadas 450 máquinas pesadas e 700 caminhões. Entre pontes, trevos e viadutos, foram 55 obras realizadas.
+ A supervisão técnica da construção ficou a cargo do engenheiro José da Costa Nascimento.
+ Ao lado da Transamazônica, da Ponte Rio-Niterói e da Cuiabá-Santarém, a freeway era um dos símbolos do governo militar do país. A rodovia representava o progresso e a pujança em um traçado retilíneo e asfaltado, com algumas curvas suaves.
+ Após a inauguração, a Sociedade Amigos de Capão da Canoa organizou um baile para o sábado seguinte, em conjunto com a Sociedade Amigos Balneário de Atlântida, para celebração da entrega da estrada.
+ No traçado idealizado pelo então Departamento Nacional de Estradas de Rodagem (Dner), a rodovia cruzaria a Lagoa dos Barros por meio de um túnel. A ideia foi abandonada em função do alto custo envolvido.
+ O Dner distribuiu folhetos explicativos com orientações para os motoristas dirigir corretamente pela rodovia.
+ No começo, os acessos à freeway em Porto Alegre ocorriam pela Avenida Castello Branco (Dique), Assis Brasil e futuramente pela BR-116, próximo à ponte sobre o Rio Gravataí. Os outros aconteciam em Gravataí e Osório, por meio da ligação com a BR-101 ou trevo com a RS-17.
+ Já em Osório, ela se conectava diretamente na BR-101 (Osório-Torres). E também por meio de um trevo, ainda em construção na época, que proporcionaria acesso à RS-17 (Osório-Tramandaí).
+ A velocidade máxima inicial permitida era 120 km/h. E a mínima, 60 km/h.
+ O capeamento da rodovia com pavimento nobre (concreto betuminoso) estava previsto para ser feito dois anos após a inauguração, mas precisou ser antecipado. O motivo foi a grande quantidade de veículos previstos para trafegarem pela BR-101.
+ A freeway possuía duas pistas de alta velocidade (cada uma com duas faixas de rolamento de 7,5m) e dois acostamentos separados fisicamente pelo canteiro central.
+ Outra característica da primeira autoestrada do Brasil eram as placas grandes de sinalização que podiam ser vistas de longe pelos motoristas que trafegavam em alta velocidade.
+ O pedágio começou a ser cobrado dois meses após a inauguração. A tarifa variava entre sete faixas, conforme o número de eixos e a rodagem dos carros. O pedágio foi extinto em 1989, mas voltou a ser cobrado em 1998.
+ O primeiro pedágio ficava no km 76, entre Santo Antônio da Patrulha e Osório. Possuía oito boxes, com sinalização eletrônica e comando automático.
+ Meses após a inauguração foram plantadas cercas vivas e árvores no canteiro central para atenuar o problema ocasionado pelos faróis dos carros, que ofuscavam a visão dos motoristas que vinham em sentido contrário.
+ Entre as principais orientações dos policiais aos motoristas, estavam os cuidados em não trafegarem com os pneus carecas e abastecerem os carros antes da viagem. Motivo: não havia postos de gasolina no trajeto da freeway.
+ O primeiro buraco registrado na autoestrada foi tapado por operários no dia 2 de outubro de 1973.
+ Matéria de ZH de 15 de outubro de 1973, mostrava que no primeiro feriado após a inauguração, cinco carros foram guinchados por policiais rodoviários depois de terem os pneus furados. E outros quatro veículos foram abandonados por motoristas no acostamento. Além disso, um motorista de um caminhão Mercedes Benz, placas IC-2829, de Caxias do Sul, pegou no sono e acordou com o veículo dentro de um banhado existente entre o km 49 e 50. Não se feriu no episódio.
+ As equipes de reportagem de Zero Hora e Rádio Gaúcha estrearam um serviço de utilidade pública já no primeiro fim de semana de utilização da freeway. Tratou-se de um trabalho com a Unesul e o Pronto Socorro Particular, com colaboração da PRF dentro da campanha de segurança do Dner. Das 8h às 20h do sábado e do domingo, uma unidade móvel da Unesul, equipada com rádio, percorreu a autoestrada com os repórteres que iam informando sobre o que acontecia na rodovia. Ao mesmo tempo, outra equipe sobrevoava a extensão da via.