O aluguel social vem perdendo beneficiários ao longos últimos anos em Porto Alegre. Mas, isso não é uma má notícia. A prefeitura defende a redução como algo positivo. O beneficio é uma das saídas para famílias reassentadas por obras públicas, em regularização fundiária ou que vivem em áreas de risco.
Em 2016, uma reportagem do Diário Gaúcho mostrou que 1.920 famílias moradoras da Capital recebiam o valor mensal pago pelo Departamento Municipal de Habitação (Demhab). Atualmente, são 343 beneficiários inscritos no mesmo programa, uma redução de 82,1%. Os dados mais recentes foram obtidos pelo DG junto ao Demhab através da Lei de Acesso à Informação (LAI).
O orçamento com o programa também caiu. Enquanto em 2015, apesar de cada família receber R$ 420 mensais, foram destinados cerca de R$ 6,221 milhões aos pagamentos. Em 2022, último ano completo com dados, foram R$ 2,138 milhões, mesmo com a cota individual maior. Agora, são R$ 600 por beneficiário. Mas, segundo o secretário André Machado, titular da pasta de Habitação e Regularização Fundiária (SMHAF), a cota deve ser reajustada no segundo semestre.
A redução nas verbas distribuídas entre 2016 e 2022 foi de 65,6%. Na primeira metade deste ano, conforme os dados obtidos via LAI, foram cerca de R$ 953 mil destinados ao programa. Mantendo a média, o número do ano completo deve ser pouco menos do que no ano passado.
Burocracia também afasta famílias
Mas, quais as razões para a queda de usuários do aluguel social ao longo dos anos em Porto Alegre? Recentemente, a prefeitura da Capital apontou que a adesão ao programa é baixa. Depois do ciclone que a atingiu a cidade em junho, o Demhab cadastrou 78 famílias em três áreas de risco da cidade. Seriam grupos aptos a receber o dinheiro. Entretanto, mais de um mês depois, apenas 11 destas pediram o aluguel social. E, pelo menos até o dia 12 de julho, nenhuma havia sido aprovada para receber os R$ 600 mensais.
Esse é outro empecilho do programa, a burocracia. A prefeitura faz uma análise criteriosa das documentações entregues pelos moradores e pode demorar mais de dois meses para dar início aos pagamentos. Para quem precisa se mudar e necessita do dinheiro, a demora acaba afastando.
Entretanto, como explica a diretora de projetos sociais do Demhab, Leonara Tonetto, a questão do aluguel social é multifatorial. O primeiro ponto é que, segundo Leonara, em 2016, a prefeitura ainda administrava a entrega de outro benefício semelhante, mas pertencente a Fundação de Assistência Social e Cidadania (Fasc), o auxílio moradia.
— Muitas pessoas ainda confundem os dois benefícios, mas eles tem propostas diferentes. O auxílio moradia tem um caráter mais de assistência social, sendo renovado anualmente. Enquanto o aluguel social é transitório, uma medida enquanto o morador aguarda uma solução definitiva do poder público — compara Leonara.
Atualmente, a administração do auxílio moradia voltou a Fasc. E são atendidas 593 beneficiários na Capital por este programa, base que antes estava somada a do aluguel social. Além disso, outras medidas foram tirando famílias do aluguel social, como o reassentamento para loteamentos da cidade.
Um exemplo é o Loteamento Irmãos Maristas, na Zona Norte, que além das famílias da Vila Nazaré, atendeu famílias que recebiam os R$ 600 mensais e aceitaram receber um apartamento no local.
Bônus-moradia ganhou preferência
O destaque, entretanto, é o terceiro ponto, considerado bastante importante pela SMHARF, é o pagamento de bônus-moradia. O valor é pago a famílias que precisam ser reassentadas, para que elas comprem uma residência em novo local.
Desde 2021, o Demhab já reajustou a bolsa duas vezes. O valor, que não era alterado desde 2017, foi de R$ 78.889,65 para R$ 93.744,57 em maio do ano passado. Em fevereiro deste ano, outra mudança, indo para R$ 113.280,14.
— Antes, esses acordos eram feitos somente com mediação da Caixa. Agora, temos usado verba do próprio município para atender as famílias. Acompanhamos todos o processo de compra da casa, que precisa ser uma residência vistoriada e aprovada pela prefeitura. E depositamos o valor diretamente para o dono do imóvel — explica o secretário André.
A mudança é uma escolha da administração atual. Segundo André, a dificuldade de implementação de conjuntos habitacionais para o reassentamento de famílias aumenta em muito tempo a espera de quem precisa sair de uma área de risco, de um ponto afetado por obra pública ou que precise de regularização fundiária.
Com isso, famílias ficam nos anos recebendo aluguel social. No município, segundo o Demhab, há casos que superam uma década. Por isso, o bônus-moradia é uma saída mais rápida e que, no fim das contas, pode ser até mais barata que o aluguel social.
Conforme dados da SMHARF, já foram pagos 152 bônus-moradia desde na Capital desde 2021. Foram atendidas famílias de locais como as casas ecológicas da Vila Liberdade e ex-moradores da época em que o local foi incendiado, em 2013.
Também foram atendidos moradores das comunidades Vila dos Herdeiros, Ilha do Pavão, Jardim Protásio Alves, Avenida Tronco (área da duplicação) e Vila Pedreira. Outros 76 bônus-moradia ainda estão em fase de tramitação, com análise de documentação, escolha das residências, entre outros pontos do processo, que se estende por cerca de quatro meses, segundo o secretário André:
— Se olharmos, é como se tivéssemos construído um condomínio de 150 casas. É difícil fazer isso hoje, mas com o bônus-moradia, conseguimos dar essa destinação as famílias.
Espera pelo benefício
A situação descreve o que passou Kelly Horna Bueno, 35 anos, e sua família. Retirada de onde vivia, na Avenida Divisa, para as obras de duplicação da Avenida Tronco, ela foi viver nas proximidades, recebendo aluguel social. Entretanto, a burocracia do programa, que exigia residências inscritas no Imposto sobre a Propriedade Predial e Territorial Urbana (IPTU) fossem alugadas, afastou a família.
— Queriam que a gente conseguisse uma casa que pagasse IPTU com aluguel de R$ 500, na vila isso é muito difícil — recorda Kelly.
Sem o benefício e querendo permanecer na região, a família pagou aluguel do próprio bolso. Isso se estendeu por quase 10 anos, quando enfim a possibilidade do bônus-moradia foi oferecido. Kelly e a mãe juntaram as cotas que tinham direito, o que é permitido pelo Demhab, e conseguiram comprar um lar no bairro Medianeira, na Zona Sul. O bairro é próximo da região onde a família vivia antes.
— Conseguimos esse terreno com duas residência, minha mãe mora em uma. E eu, meu marido e minha filha moramos na outra. Tudo regularizado e a situação resolvida — comemora a manicure.
Desistência também influencia na redução
Ainda assim, a prefeitura reconhece que há simplesmente desistiu do benefício ao longo do tempo. Durante o governo do ex-prefeito Nelson Marchezan Jr., por exemplo, o aumento no número de exigências para alugar casas com o benefício também afastou famílias.
Estar inscrito no IPTU e apresentar matrícula do imóvel eram questões que acabavam dificultando encontrar casas com aluguel no valor entregue pelo município. Hoje, as exigências são menores, garante André, buscando facilitar o acesso a quem precisa.
Ainda assim, há alguns grandes desafios relacionados a habitação na Capital. Além das famílias que vivem em área de risco e são aptas ao reassentamento, há pelo menos dois grandes eventos em Porto Alegre que geraram pendências habitacionais — e usuários do aluguel social.
Primeiro, o incêndio na Vila Liberdade, em 2013. Depois, o reassentamento de famílias que viviam na área de duplicação da Avenida Tronco. Sobre este último caso, aliás, a SMHARF chegou a fazer um levantamento no ano passado. Das 1.517 famílias cadastradas para o reassentamento da Tronco, 1.025 foram atendidas com alguma solução habitacional definitiva, mas 480 ainda aguardavam atendimento habitacional.
Outros 12 casos estão entre titulares falecidos e cadastros em que não foi necessário o reassentamento e permaneceram no território. A diretora de projetos sociais do Demhab garante que o número já é menor atualmente, mas ainda superior a 400.
Vila Liberdade é outro problema
Em relação a Vila Liberdade, foram 194 famílias afetadas pelo incêndio, que passaram a viver sob o aluguel social ou em residências provisórias — também conhecidas como casas de ecológicas ou casas de passagem — construídas na mesma região.
Só que na época da tragédia, boa parte das 700 famílias que viviam na região foi removida sob a promessa de que novas residências seriam erguidas ali. E essas famílias foram contempladas, em boa parte, pelo aluguel social.
Entretanto, 10 anos depois, o número de beneficiários atuais do aluguel social não parece compatível com a situação. As desistências ao longo do caminho foram um fator para isso. Além de várias famílias voltarem para a área onde ficava a Vila Liberdade e construírem novas casas. Em 2016, ainda havia outras regiões com moradores que foram incluídos no aluguel social, como as vilas Asa Branca e da Mata.
O fato de ter desistido do benefício, entretanto, não extingue os direitos de quem vivia em áreas que carecem de reassentamento. Estes seguem apenas com o cadastro inativo na base do Demhab.
— Quem foi afetado e ainda não foi atendido com uma medida definitiva (bônus-moradia, apartamento ou casa em conjunto habitacional ou loteamento), terá esse direito quando um processo for ser executado — explica André.