A fissura num dos trilhos do trensurb na Estação Fátima, em Canoas, que ocasionou atrasos nas viagens entre Porto Alegre e Novo Hamburgo na manhã desta terça-feira (13), foi causada pela variação térmica. Entre esta segunda e terça-feira, a Região Metropolitana sofreu forte resfriamento, com temperaturas em torno dos cinco graus no amanhecer, situação que provocou o fenômeno, que costuma ser recorrente nesta época do ano. No sábado, antes da virada no tempo, fazia 26 graus em Porto Alegre.
Assim como qualquer outro material, as barras metálicas utilizadas como trilhos se expandem quando sofrem aquecimento e se contraem quando são resfriadas. As instalações levam em conta esta variação do volume, reservando espaços para que o metal possa dilatar ou se retrair periodicamente ao longo das estações do ano. No entanto, nem sempre estas diferenças de tamanho conseguem ser contornadas por dispositivos próprios para se adaptar aos efeitos da amplitude térmica.
O chefe do setor via permanente da Trensurb, Rodrigo Pettermann, responsável pela qualidade e manutenção dos trilhos, garante que o material da ferrovia segue normas químicas e físicas mundiais e está com a manutenção em dia. O trajeto de 45 quilômetros é feito com barras de trilho com 18 metros de extensão cada, conectadas por soldas sem intervalos entre elas. A correção da fissura que se abriu nesta manhã de terça foi executada com um método mais ágil, porém provisório. Duas hastes de metal, chamadas de tala, reconectaram as barras de trilho que se afastaram por conta da diminuição causada pelo frio. O trabalho com solda leva mais tempo e demanda interrupção no serviço, procedimento que é feita rotineiramente pelas equipes da empresa.
— Nos metrôs de Rio de Janeiro e São Paulo isso também acontece, mesmo com uma variação térmica menor. Normalmente acontece na virada da estação, quando inicia ou termina o inverno, quando há esta variação térmica maior. Não temos uma quantificação de quantos graus é a variação tolerada, mas estamos sempre atentos à previsão do tempo. Geralmente quando a temperatura se estabiliza a tendência é que as ocorrências deste gênero diminuam — comenta.
O vice-diretor da Escola de Engenharia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e especialista do Laboratório de Metalurgia Física, Afonso Reguly confirma que o material utilizado pela Trensurb é adequado às maiores normas de qualidade internacional. O engenheiro ressalta que o problema de dilatação dos metais é um desafio para todas as ferrovias que existem em lugares onde as temperaturas oscilam e causam que cada trilho mude de tamanho com o passar do tempo.
Todos os trilhos convencionais tem um dispositivo que ameniza o efeito da variação térmica no material. Os chamados “grampos” são peças que ficam entre o bloco de concreto e a barra do trilho. Os grampos permitem que o trilho se acomode alguns centímetros para cada lado, tanto for necessário devido à dilatação ou contração da liga metálica que compõe o trilho.
— Porto Alegre tem esta situação de variação térmica muito grande. Semana passada estava em 20, hoje foi para 5. Neste caso, o grampo não dá conta do recado por ser pouco tempo e muita variação acima dele. E isso é comum em qualquer lugar do mundo —
Alternativas abaixo de zero
No hemisfério norte, onde o inverno é mais rigoroso do que na região metropolitana de Porto Alegre e o transporte ferroviário de passageiros e cargas é consolidado, há soluções mais drásticas para evitar que rompimentos no trilho aconteçam por conta da amplitude térmica.
A empresa Metra, que opera ferrovias no estado de Illinois, nordeste dos Estados Unidos, região conhecida pelos ventos e acostumada com nevascas que derrubam a temperatura, é comum colocarem fogo nos trilhos - de maneira segura e controlada. Os engenheiros desenvolveram um sistema de encanamento de gás com bicos ao lado dos trilhos que geram pequenas chamas quando a temperatura fica negativa. Isso mantém o trilho em temperatura suficiente para evitar que o frio rompa as conexões entre os componentes de metal.
O procedimento não é novo. Antigamente, porém, ele era feito com querosene sendo despejado e colocado em combustão manualmente por técnicos, explica o engenheiro da Metra: "Todos nós costumávamos carregar galões cheios. Espalhamos alguns litros e jogávamos um fósforo, e um pequeno incêndio começava ao longo dos trilhos. Estamos falando de meados dos anos 1970. Atualmente, teríamos grandes problemas fazendo isso", explicou o diretor de engenharia da Metra, John Meyer, em matéria feita pela CNN norte-americana em janeiro de 2019.
Já o Reino Unido tem um número maior de soluções menos explosivas. A empresa Network Rail, que opera e faz a manutenção de 32 mil quilômetros de ferrovias na Inglaterra, Escócia e País de Gales, usa equipamentos que arrastam a neve de cima dos trilhos e combina aparatos de ventilação em alta temperatura para derreter o que fica entre os metais. Assim como outras companhias norte-americanas, os britânicos também utilizam produtos químicos, como líquidos e géis específicos para isso, que aumentam a temperatura em contato com a água e aquecem os trilhos para evitar encolhimentos na via metálica.