Porto Alegre precisa conectar a rede de faixas exclusivas dos ônibus e ampliar o espaço destinado às ciclovias. A recomendação é de um dos grandes especialistas no tema, o diretor de Mobilidade Urbana Global do World Resources Institute (WRI), Felipe Ramirez.
— Poderiam terminar de conectar essas redes de pistas exclusivas para ônibus. Assim se teria uma cidade em que essas pistas se conectariam totalmente, o que seria mais eficiente e proporcionaria viagens mais rápidas para as pessoas — afirma.
Ex-secretário de Mobilidade Urbana de Bogotá e ex-gerente-geral da TransMilênio (sistema BRT da capital colombiana), Ramirez participa de eventos sobre modelos de negócios em mobilidade elétrica no país. Esteve em Curitiba antes de chegar à Capital, onde veio visitar o escritório do WRI Brasil. Na terça-feira (16), concedeu entrevista para a reportagem de GZH.
Questionado se representaria maior eficiência duplicar as faixas exclusivas de ônibus existentes em Porto Alegre, a exemplo do que já ocorre em Bogotá e permite a ultrapassagem entre os próprios veículos durante os deslocamentos, o dirigente não hesita em apontar o que deve ser prioridade.
— Conectar a rede das faixas exclusivas dos ônibus é o mais importante — resume. — Uma faixa extra nas estações onde os ônibus param ajudaria a poder se desenhar rotas expressas se for o caso. Essas rotas expressas aumentam a capacidade — analisa.
Para Ramirez, a mobilidade urbana passa por ônibus mais velozes e com espaços próprios nas vias para transportar milhares de passageiros diariamente.
— O BRT (Bus Rapid Transit) e as pistas exclusivas geram um sistema mais eficiente e movem muito mais pessoas — observa, mencionando ainda outros benefícios como a redução de custos e a qualidade do serviço aos usuários.
O TransMilênio foi inspirado no modelo de Curitiba. Trata-se de um sistema de transporte público metropolitano de veículo leve sobre pneus (VLP). Atualmente, há 114 quilômetros de pistas exclusivas de BRT em Bogotá. O sistema cresceu recentemente 20% na cidade colombiana.
Para o entrevistado, seria importante que fossem criadas outras ciclovias na capital gaúcha e disponibilizadas mais bicicletas para a população.
— A transformação dessa infraestrutura permite que mais pessoas usem bicicletas e se movam pelo transporte público. Isso representa uma melhoria na qualidade do meio ambiente e na vida das pessoas, e de como se movem por uma cidade tão bonita como Porto Alegre — reflete.
O diretor de Mobilidade Urbana Global do WRI elenca as principais formas de locomoção da população nas maiores cidades do mundo.
Conectar a rede das faixas exclusivas dos ônibus é o mais importante
FELIPE RAMIREZ
Diretor de Mobilidade Urbana do WRI
— A grande maioria das pessoas nas cidades, cerca de 80%, se movem pelos modos sustentáveis, como caminhada, bicicleta, que é a maneira realmente mais efetiva para se locomover, e em terceiro lugar está o transporte coletivo — compartilha.
A infraestrutura precisa estar à altura para a mobilidade urbana acontecer de forma efetiva, especialmente no que diz respeito ao transporte coletivo formado basicamente por ônibus e metrôs.
— Os estudos técnicos possibilitam saber exatamente quais desses modos de transporte são necessários para uma cidade específica — diz.
Perguntado se trocar a frota dos ônibus por veículos elétricos seria uma das soluções, Ramirez acredita que a medida representaria algo bastante significativo.
— É muito importante que comecemos a descarbonizar a frota de nosso sistema de transporte público — avalia.
Segundo o especialista, a importância dessa ação diz respeito a duas situações — as micropartículas geradas pela combustão dos veículos e das indústrias, que afetam o pulmão das pessoas, e a redução de gases para mitigar os efeitos que as mudanças climáticas estão gerando em distintas partes do mundo, com temperaturas muito altas ou baixas em determinados momentos do ano e inundações.
— Porém, isso precisa ser acompanhado da qualidade do serviço nas cidades, para que as pessoas possam se locomover de forma mais simples. Assim haveria mais equilíbrio entre saúde e qualidade de vida nas cidades — pondera.
Frota descarbonizada
Bogotá conta atualmente com 1.485 ônibus elétricos, o que representa 13% da frota. Com o compromisso de oferecer um transporte coletivo menos poluente, a cidade diminuiu, num período de 10 anos, em 88% a emissão de materiais particulados na atmosfera.
— O futuro da mobilidade urbana necessita da eletromobilidade. Em termos de mudanças climáticas e de material particulado, o que temos analisado é que cerca de 60% da solução passa pela eletromobilidade — destaca.
Dessa maneira, aponta o especialista, os governos precisam trabalhar para descarbonizar a frota do transporte coletivo. Em seguida, será necessário repetir o processo nos veículos particulares e nos utilizados para o transporte de cargas.
— Os outros 40% se referem a como nos movemos. Também devemos trabalhar essa parte — menciona.
O futuro da mobilidade urbana necessita da eletromobilidade. Em termos de mudanças climáticas e de material particulado, o que temos analisado é que cerca de 60% da solução passa pela eletromobilidade
A capital colombiana tem 590 quilômetros de ciclovias e cerca de 10% das viagens da população são feitas por meio de bicicletas. Esse modal foi ampliado durante a pandemia de covid-19, de forma emergencial, e foi fundamental, pois ajudou na questão da saúde pública e se somou ao combate às mudanças climáticas.
— Fizemos 120 quilômetros adicionais temporários, dos quais cerca de 80% ficaram de forma permanente — relata Ramirez, completando: — As previsões dizem que teremos mil quilômetros de ciclovias futuramente.
Transporte compartilhado
Em relação ao transporte por aplicativo, percebe o uso compartilhado como uma possibilidade positiva:
— Não é justo com o espaço público que uma pessoa vá sozinha em seu carro, quando poderiam ir mais 10 ou pelo menos mais cinco pessoas.
O diretor aborda o que representa o excesso de condutores em veículos particulares trafegando pelas ruas das grandes cidades.
— Como sociedade temos que entender que, se todos nós nos movimentarmos em carros privados, estaremos contaminando muito mais e tendo uma pior qualidade de vida como jamais tivemos nas cidades — avalia. — Necessitamos de uma transformação nas cidades — acrescenta.
O transporte coletivo é enaltecido pelo especialista:
— As cidades dos anos 1950 e 1960, quando os carros particulares representavam a ideia central, pertencem ao passado. Nas cidades do futuro, todos podem se mover de forma igualitária, e o espaço público pertence a todos. Para poder compartilhar da melhor forma, precisamos de mais transporte público e de muito mais qualidade.
Conforme Ramirez, mobilidade urbana passa por responsabilidade compartilhada.
— Há a responsabilidade do governo de oferecer o melhor sistema, mais confiável e com melhor infraestrutura. Mas também há a responsabilidade dos cidadãos de serem conscientes da importância de se moverem de forma sustentável — conclui.
Saiba mais
- O World Resources Institute (WRI) é uma organização global de pesquisa sem fins lucrativos. Atua em parceria com governos, empresas, instituições multilaterais e grupos da sociedade civil.
- O trabalho se centraliza em torno de sete desafios globais: alimentos, florestas, água, energia, clima, oceano e cidades.
- O objetivo do WRI é desenvolver soluções práticas que melhorem a vida das pessoas e garantam que a natureza possa ser preservada.