Entidades vinculadas ao assistencialismo social e especialistas na área acompanham com atenção a decisão da prefeitura de Porto Alegre de reduzir a média de cestas básicas distribuídas nos Centros de Referência de Assistência Social e Cidadania (Cras). O número caiu de 10 mil, no período correspondente aos piores momentos da pandemia, para cerca de 1,5 mil. O levantamento foi realizado pela Fundação de Assistência Social e Cidadania (Fasc).
Desde abril, ocorre uma etapa de transição com as famílias em vulnerabilidade social, que estão recebendo R$ 200 por mês. Serão entregues 5 mil cartões Mais Proteção pela prefeitura. Mil cestas básicas seguirão sendo repassadas para famílias, somadas às 465 que são atualmente direcionadas aos povos indígenas e quilombolas.
O professor aposentado do curso de Sociologia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) Ivaldo Gehlen acredita que a decisão da prefeitura de substituir cestas básicas por cartões de alimentação pode gerar um debate positivo.
— Se a prefeitura tiver o acompanhamento das famílias, como tinha o Bolsa Família, com visitas às casas, conferindo se os filhos estão estudando e sendo vacinados, acho que pode ser uma boa alternativa — diz.
Segundo Gehlen, que acompanhou durante 15 anos a população de rua de Porto Alegre, quando o Bolsa Família foi instituído, também surgiram dúvidas.
— A mesma pergunta se fazia sobre o Bolsa Família. Algumas pessoas sempre vão fazer mau uso do dinheiro. Não foi o que aconteceu. Todas as avaliações sobre o Bolsa Família mostram um grande sucesso, inclusive incentivando famílias a conseguirem mais dinheiro — pondera.
Na avaliação do docente aposentado, tanto o número da população de rua quanto o de pessoas em situação de vulnerabilidade social e passando fome aumentou na Capital.
— Não há esquina que não tenha alguém pedindo alguma coisa. Nem todos são moradores de rua, boa parte são pedintes de bairros pobres — atesta.
Já o chef Julio Ritta, do Cozinheiros do Bem, critica a substituição pelo cartão de alimentação:
— Um cartão de R$ 200 para uma família não é nada. É um abuso, é ridículo. Colocar isso para uma família de cinco pessoas não é nada.
Conforme o chef, a prefeitura deveria fazer um levantamento mais profundo sobre o tema.
— Precisa fazer uma pesquisa para ver quantas pessoas vivem na casa, quantos estão em vulnerabilidade alimentar, ter um fator mais humano envolvido. Não é simplesmente atirar R$ 200. O buraco é mais fundo — explica.
Escolher o que se quer comprar
A Anjas de Batom, com sede no bairro Cristal, promove uma série de ações beneficentes para a população mais carente da Capital e da Região Metropolitana. Conforme Vanessa Silveira, idealizadora do projeto, a ideia da prefeitura de depositar o valor é melhor do que simplesmente entregar cestas básicas.
— Vejo com bons olhos porque quando se tem oportunidade de adquirir, por exemplo, absorvente, xampu, sabonete e creme dental, coisas que não vêm na cesta básica, proporciona autonomia — observa Vanessa, que estima em 40 cestas mensais as doações atuais da Anjas de Batom.
A própria Anjas de Batom já doou para famílias em situação de vulnerabilidade social cartões no valor de R$ 300, nos dois últimos Natais, após receber auxílio de um instituto parceiro.
O Instituto Misturaí, que é uma Organização da Sociedade Civil (OSC), sem fins lucrativos, atua desde 2018 com ações voltadas para pessoas mais carentes.
— Enquanto política de assistência social, entendemos que o cartão é importante para as famílias por trazer autonomia — afirma a assistente social do Misturaí, Natália Dória.
Na percepção de Natália, as cestas básicas possuem alimentos que nem todos podem gostar e cita, como exemplo, a polenta.
— A pessoa não é obrigada a comer polenta. O cartão proporciona essa autonomia de escolha, podendo, quem recebe, escolher comprar vegetais, frutas, alimentos perecíveis que não vêm na cesta básica — ilustra.
De acordo com a assistente social, o Misturaí atende pessoas que recebem cestas da prefeitura, mas isso não é suficiente.
— As famílias nos procuram porque não conseguem acessar as cestas básicas, que são em número irrisório e não atendem o que as pessoas precisam — compartilha, dizendo que a organização atende cerca de cem pessoas diariamente por meio de refeições prontas.
Além disso, o Misturaí oferece café da manhã e da tarde, juntamente das quentinhas, de segunda a sexta-feira. Aos sábados, são servidos 80 cafés na soma dos dois turnos.
O risco de ficar sem alimento
Para Emanuela Juvencio de Souza, integrante da Sociedade Espírita Ramiro D’Ávila, que distribui de cem a 150 quentinhas nas terças, quartas e quintas-feiras, a mudança de estratégia pode ocasionar outro problema:
— Vejo de forma negativa (a troca da cesta pelo cartão) e acredito que muitas crianças nessas famílias podem ficar sem alimento. Porque as pessoas podem usar o dinheiro para consumir drogas.
O sistema de distribuição de cestas básicas deveria ser aprimorado, opina Emanuela.
— Distribuir as cestas é o ideal, mas uma por família não dura nem 15 dias. A prefeitura deveria fazer uma triagem melhor — acrescenta.
Na quarta-feira (16), a Fasc havia dito a GZH que o objetivo é que os cartões de alimentação não sejam permanentes. Desse modo, quando uma família não se encaixar mais no critério por ter uma nova fonte de renda ou acesso a outro tipo de auxílio, o benefício será encaminhado a pessoas mais necessitadas.
Também foi sugerido que pessoas em situação de insegurança alimentar procurem um dos cinco restaurantes populares da Capital, que oferecem almoço àqueles inseridos no Cadastro Único.