As pessoas em situação de rua em Porto Alegre possuem um local acolhedor e seguro onde podem garantir, muitas vezes, a única refeição do dia. Trata-se da Sopa do Pobre, que é oferecida há 90 anos pela Sociedade Espírita Ramiro D’Ávila, localizada na Avenida Getúlio Vargas, 497, quase na esquina com a Ipiranga.
— Caridade é ajudar quem precisa. A gente não escolhe, apenas ajuda — reflete o presidente da entidade, Edilson Vargas.
Em torno das 10h dessa terça-feira (26), cerca de 20 pessoas estavam na fila para receber um prato de sopa, que tinha rodelas de linguiça e diversos legumes, como cenoura e batata, em sua composição.
— Faz 15 anos que pego sopa aqui e acho muito boa. No frio, esquenta bastante — compartilha, sentado no meio-fio da calçada, onde dá colheradas vigorosas na refeição, Ariel Celian, que é natural de Bagé e tem 35 anos.
Ao lado dele, outras pessoas aproveitam para comer em silêncio, assim como os demais, sentados no canteiro que existe no meio da via. Motoristas dos veículos que trafegam pela avenida diminuem a velocidade para observar a cena.
— Acho importante termos a sopa por causa do frio e do inverno. Venho todas as semanas desde que eu tinha 15 anos — diz Joice da Silva Rosa, 33. — Gosto quando é sopa, porque esquenta o coração e a alma — completa.
Uma senhora trajando gorro de lã, moletom vermelho, calça de abrigo e chinelos na cor roxa, que pediu para não ser identificada, sintetiza o sentimento generalizado entre os presentes:
— A sopa é boa.
O vaivém de pessoas em um pequeno corredor na lateral da associação é constante. Lá embaixo, o presidente serve quem chega, com conchas generosas que mergulham fundo no panelão, para em seguida retornarem com o alimento. Os olhos de quem recebe o prato são os olhos de quem tem fome.
— Pode repetir, sem problemas, se quiser — avisa.
E todos repetem, alguns até mais de três vezes.
Gosto quando é sopa, porque esquenta o coração e a alma
JOICE DA SILVA ROSA
Pessoa em situação de rua
Atualmente, em função da pandemia da Covid-19, os frequentadores do local não podem entrar para sentar e desfrutar da refeição. Pegam as quentinhas e comem pela rua. Antes, sete mesas abrigavam homens e uma outra era destinada a mulheres.
Na cozinha, um grande fogão industrial de seis bocas ostenta panelas de todos os tamanhos. A sopa encorpada borbulha e exala aroma agradável.
— Tudo o que temos é fruto de doações. Esses 90 anos de trabalho nos deram credibilidade entre nossos apoiadores — acredita Edilson Vargas, que mostra todas as salas internas do casarão.
Circular pela associação é comprovar a grande quantidade de objetos e roupas doados. O brechó revende peças a preços módicos. Há casacos de couro legítimo por R$ 30, e outras peças de qualidade que variam entre R$ 10 e $ 20. As vendas representam mais ingredientes para a sopa.
Durante as manhãs, as ações têm caráter assistencial, com a oferta da sopa e distribuição de agasalhos. Nos turnos da tarde e da noite são realizadas sessões mediúnicas nas salas da casa. Cerca de nove pessoas integram o corpo permanente de funcionários da associação, os demais são voluntários.
História
A Sociedade Espírita Ramiro D´Ávila completa 90 anos em 20 de setembro de 2022. A instituição distribui comida para pessoas em vulnerabilidade social desde setembro de 1932.
Antes da pandemia, eram servidas 600 refeições por dia, dentro da casa. Agora são distribuídas 120 quentinhas aos moradores de rua na frente do prédio, sempre nas terças, quartas e quintas-feiras, às 10h. A refeição nem sempre é sopa. Isso depende do que é ganho em doações. Às vezes, há arroz e feijão com salada. Nas quartas também são entregues roupas e objetos de higiene pessoal. A estimativa do presidente é que sejam servidas atualmente mais de 1,5 mil quentinhas por mês. São atendidas cem pessoas por dia.
A casa foi fundada por Gedeon Desessard Leite (1884-1933), um morador de Porto Alegre, coronel da Guarda Nacional, que, em viagem a Portugal, observou voluntários oferecendo sopa para moradores de rua. Inspirado, decidiu montar uma cozinha dentro da sociedade espírita, que ficava inicialmente na Rua Avaí.
O nome oficial do centro homenageia o médico Ramiro D’Ávila, que morreu de gripe espanhola em Porto Alegre em 1918. Porém, o primeiro nome cotado foi o de Bezerra de Menezes (médico expoente da doutrina espírita no final do século 19). O próprio Menezes teria, porém, se manifestado por meio de um dos médiuns do lugar, dizendo que a honra caberia a outro.
— Bezerra de Menezes disse que quem tinha que ser patrono era Ramiro D’Ávila, que nasceu nessa cidade e morreu nessa cidade. Foi acatado por todos — relata Vargas.
Ovo gigante
Um ovo de chocolate de 10 quilos está exposto dentro da associação. Trata-se de uma rifa que arrecada dinheiro para ser revertido em alimentos. O preço do número é R$ 10.
COMO AJUDAR
É possível ajudar por meio de doações de alimentos como arroz e feijão, massa, legumes, sardinha, material de limpeza e de higiene, dinheiro para reforma e manutenção e há uma modalidade de contribuição anual. Donativos também são recebidos diretamente no local. Além de comida, a associação aceita roupas, calçados, itens de higiene, cobertores, móveis, material escolar, brinquedos, entre outros. Mais informações podem ser obtidas aqui.
MAIS INFORMAÇÕES
- Sociedade Espírita Ramiro D’Ávila
- Avenida Getúlio Vargas, 497
- E-mail: contato@sopadopobre.com.br
- Telefone: (51) 3233-3926
- O brechó pode ser visitado de segundas as sextas (13h30min às 17h) e aos sábados (13h30min às 16h).