A construção de um prédio de 117 metros de altura e 35 andares, na região do 4º Distrito, em Porto Alegre, ainda não foi autorizada pela Aeronáutica (confira nota oficial abaixo). Porém, o alvará já foi liberado pela prefeitura. O edifício será erguido na esquina das ruas Sete de Abril e Emancipação, no bairro Floresta. Serão mais de 20 mil metros quadrados de área construída.
— Isso aí (autorização da Aeronáutica) está sendo conduzido pela prefeitura. Eles têm descrito ali qual é o cone de aproximação. Na marcação, o nosso imóvel não se encontra dentro do cone — afirma Eduardo Gastaldo, fundador da Bewiki e idealizador do projeto.
Segundo Gastaldo, projetos complementares da torre nova já estão sendo contratados.
— Sobre o assunto específico do Comar (5º Comando Aéreo Regional), a gente entende que há algumas zonas de aproximação fora do cone. Estamos na sombra do Morro Ricaldone. O prédio vai ser mais baixo do que o edifício mais alto que fica em cima do morro — explica.
O prédio de 117 metros de altura passa por situação parecida com a do empreendimento pretendido pela ABF Developments, que deseja erguer um edifício de 130 metros de altura e 42 andares na região do 4º Distrito. Até este momento, o imóvel não recebeu autorização da Aeronáutica, por não atender aos requisitos exigidos e por violar a "superfície limitadora de obstáculos" do aeroporto Salgado Filho.
O secretário municipal do Meio Ambiente, Urbanismo e Sustentabilidade, Germano Bremm, analisa a questão em torno do cone de aproximação.
— Ao longo desse território (4º Distrito), haverá limitações ou procedimentos diferentes para se liberar a altura em função do cone do aeroporto. Conforme fica mais próximo ao aeroporto, como no bairro Navegantes, os limites de altura são bem tímidos. Mas, se afastando para ambos os lados, em direção ao São Geraldo, vai se ampliando essa área, isso em um padrão básico — exemplifica.
Sobre o assunto específico do Comar (5º Comando Aéreo Regional), a gente entende que há algumas zonas de aproximação fora do cone. Estamos na sombra do Morro Ricaldone. O prédio vai ser mais baixo do que o edifício mais alto que fica em cima do morro
EDUARDO GASTALDO
Fundador da Bewiki
O projeto da Bewiki prevê investimento de R$ 150 milhões, com geração de 200 empregos. As obras devem começar no primeiro semestre do próximo ano, mas a limpeza e a demolição do que havia no terreno já foram executadas. No local, funcionava um moinho de farinha no passado. Trata-se do antigo Moinho Germani, inaugurado em 1941 e que pertenceu à família fundadora até 1990.
— Esse padrão básico pode ser revisto a partir de requerimento ou apresentação de projeto junto ao Comar. Não é que não possa ou que seja só no bairro Floresta que se tenha essa liberação. A regra básica é mais alta ali (Floresta). Mas, no restante do território, as situações serão avaliadas caso a caso pelo Comar e podem ser liberadas. Isso vai variar de acordo com o interesse de cada empreendedor — acrescenta o titular da pasta.
O empreendimento deverá abrigar, ainda, um hospital dia com 10 salas cirúrgicas, 200 unidades residenciais, cem estúdios para acompanhantes de pacientes e áreas reservadas para coworking, supermercado e lojas.
Ideia é ser como em Manhattan
A região do 4º Distrito está dando o primeiro passo na direção de se tornar uma espécie de Manhattan. Localizado nos Estados Unidos, Manhattan é um distrito de Nova York conhecido por abrigar edificações robustas, modernas e, sobretudo, altas à beira do Rio Hudson.
— Criamos o Programa +4D de Regeneração Urbana para dar essas condições de se ter ali prédios icônicos com uma arquitetura contemporânea — justifica Bremm.
Se o prédio acabar sendo construído, a tendência é de que outros espigões sejam erguidos na área formada pela conjunção dos bairros Floresta, São Geraldo, Navegantes, Farrapos e Humaitá.
— Esse prédio do 4º Distrito é o primeiro aprovado dentro das novas regras do plano diretor. Nosso olhar está voltado para o empenho, e a empresa nos mostrou o check list do projeto, que atende a todas as regras — prossegue o titular da pasta, citando alguns exemplos, como possuir cobertura verde, reforçar a identidade local, promover uso misto, propor soluções para drenagem, fachada ativa, entre outros aspectos.
Ao longo desse território (4º Distrito), haverá limitações ou procedimentos diferentes para se liberar a altura em função do cone do aeroporto
GERMANO BREMM
Secretário da Smamus
O Edifício Santa Cruz, erguido entre o final da década de 1950 e o começo dos anos 1960, mantém, até o momento, o status de ser o mais alto da cidade. Localizado na Rua dos Andradas, 1.234, possui 107 metros de altura e 32 pavimentos.
A aprovação do projeto arquitetônico da Bewiki foi realizada pelo Escritório de Licenciamento, vinculado à Secretaria Municipal do Meio Ambiente, Urbanismo e Sustentabilidade (Smamus). A decisão ocorreu menos de um mês após a sanção da Lei Complementar 960/2022, que institui o Programa +4D de Regeneração Urbana do 4º Distrito.
O diretor Fernando Martins Pereira da Silva, do Sindicato dos Engenheiros do RS (Senge-RS), menciona que o prédio está dentro das novas normativas previstas no plano diretor específico do 4º Distrito.
— Especificamente com relação ao 4º Distrito, a gente vê com bons olhos porque ele está abandonado há mais tempo. Com essa renovação, esses prédios começam a revitalizar a região, geram emprego, oportunidades e humanizam as relações da cidade com os seus munícipes. Isso é sempre muito bem-vindo — comenta, citando ainda o caso de sucesso da orla do Guaíba.
O presidente do Sindicato das Indústrias da Construção Civil no Estado do Rio Grande do Sul (Sinduscon-RS), Claudio Teitelbaum, salienta que o projeto é algo positivo para a região do 4º Distrito.
— O Jaime Lerner (arquiteto e urbanista já falecido, responsável pela nova orla do Guaíba) tinha uma metáfora de linguagem que ele chamava de “acupuntura urbana”, que era aquele toque que se dá num local e acaba o tornando atrativo. Uma forma de valorizar o lugar em que as pessoas moram, trabalham e se divertem — menciona.
Segundo Teitelbaum, o projeto deverá ser o primeiro de uma série.
O Jaime Lerner (arquiteto e urbanista já falecido, responsável pela nova orla do Guaíba) tinha uma metáfora de linguagem que ele chamava de “acupuntura urbana”, que era aquele toque que se dá num local e acaba o tornando atrativo. Uma forma de valorizar o lugar em que as pessoas moram, trabalham e se divertem
CLAUDIO TEITELBAUM
Presidente do Sinduscon
— Um projeto icônico como esse, além de democratizar o uso, uma vez que ele será alto e terá mais espaço para moradias e para trabalho, vai fazer com que mais pessoas possam habitar e frequentar o local. Entendo que certamente está tendo os estudos dos impactos de vizinhança, de realidade urbanística, de aeração, de sombreamento. Certamente, ele vem para valorizar tanto o terreno, o quarteirão, como o entorno. Acredito que junto com ele virão outros projetos diferenciados — avalia.
Nem todos possuem a mesma opinião. Para o presidente do Instituto de Arquitetos do Brasil no Estado (IAB-RS), Rafael Passos, o prédio da Bewiki será negativo para a Capital.
— A gente discorda da análise técnica feita de que esse edifício está compatibilizado com um bem protegido. Estamos falando de um moinho germânico que está sendo completamente descaracterizado, colado em um prédio de 117 metros de altura — critica.
Conforme observa, a qualidade da arquitetura não depende apenas da liberdade do projetista, mas do conjunto:
Esse edifício mostra muito que a ausência de definições objetivas vai levar a esses casos de que o entorno é completamente desconsiderado na análise, principalmente a questão do patrimônio
RAFAEL PASSOS
Presidente do IAB-RS
— Esse edifício mostra muito que a ausência de definições objetivas vai levar a esses casos de que o entorno é completamente desconsiderado na análise, principalmente a questão do patrimônio. Pela lei do 4º Distrito, esse prédio não precisa passar pelo Conselho Municipal de Desenvolvimento Urbano e Ambiental (CMDUA) nem pelo Conselho do Patrimônio Histórico Cultural — recorda, dizendo que o edifício fica condicionado a aspectos subjetivos e não a parâmetros técnicos para questões de aprovação ou desaprovação. — Ele (projeto do prédio) agride a paisagem do bem tombado e do seu entorno. Descaracteriza o bem protegido e desvaloriza — acrescenta.
Questionado se há outros projetos semelhantes na fila do 4º Distrito à espera de aprovação de alvará, o secretário Bremm diz que, por enquanto, existe apenas o projeto da construtora ABF Developments.
— Hoje, temos tramitando este da Bewiki e aquele outro (construtora ABF Developments), que estamos tentando resolver o problema com o Comar (5º Comando Aéreo Regional) — cita Bremm.
Com as recentes mudanças do plano diretor do 4º Distrito, a tendência, de fato, é que edificações altas, arrojadas e com arquitetura fora dos padrões tradicionais se tornem mais comuns na região.
— Esse primeiro prédio representa bem isso. É uma forma diferente daqueles prédios quadrados com uma caixa d'água em cima — conclui o secretário.
O que diz a Aeronáutica
O Comando da Aeronáutica, localizado em Brasília (DF), respondeu, por nota, aos questionamentos da reportagem sobre a autorização do projeto. Confira, abaixo, a resposta na íntegra:
“Foi solicitado um parecer do Comando da Aeronáutica a respeito do empreendimento a ser construído próximo à Zona de Proteção de Aeródromo do Aeroporto Salgado Filho, em Porto Alegre (RS).
O processo, enquadrado nos casos de 'Grau de Recurso por Interesse Público', previstos na ICA 11-3 (PROCESSOS DA ÁREA DE AERÓDROMOS), encontra-se em análise e ainda não apresentou parecer final.”