Pela TV, Andrey William Oliveira Silva, 21 anos, acompanhou as Olimpíadas de 2021. Da janela de casa, via com mesma admiração outros corredores: os garis, seguindo o caminhão de lixo.
— Eu vi que os atletas dão o suor, correm muito pelo pódio. Mas também tem outras pessoas correndo na rua, só que pra coletar o lixo. Pensei: "Quero ser gari e quero ser maratonista" — recorda.
Há cerca de um ano, o morador da Vila Safira, no bairro Mario Quintana, zona norte de Porto Alegre, passou de observador a empregado na empresa Litucera, responsável pelo recolhimento do lixo orgânico do município. Para a missão, acorda antes das 6h e inicia a primeira corrida do dia, até a Avenida Manoel Elias, onde encontra o caminhão ainda vazio. Da manhã até a noite, são mais de 20 quilômetros atrás de sacolas deixadas na rua, em lixeiras ou no chão.
— A gente limpa todo dia, mas volta e tá assim — diz, apontando para uma calçada suja.
O salto do veículo de coleta para as pistas teve o primeiro impulso no sábado (1º). No Parque da Redenção, no bairro Farroupilha, o jovem com sorriso fácil foi clicado pelo fotógrafo Marcelo Campos, que, com 20 anos de experiência em marketing esportivo, doou um ensaio a Silva, na expectativa de ajudar a ampliar o alcance da sua história.
Campos publicou um vídeo Reels no seu perfil do Instagram (@marcelocamposfoto) e criou a conta @andreyogaricorredor para marcar os passos do ainda aspirante a atleta.
— Ser fator de modificação na vida de alguém é uma bênção. Quando semeia o bem, a gente colhe o bem — define o fotógrafo.
E essa corrente do bem logo se espalhou: pela rede social, chegou a oferta de um relógio de corrida e de um par de tênis — que vai substituir o calçado atual, surrado pela correria do dia a dia.
— Se compra um tênis, falta pra carne — justifica Silva.
Na manhã desta quarta-feira (5), o gari falou ao vivo na Rádio Gaúcha sobre o trabalho árduo.
— As pessoas admiram, me elogiam, agradecem. Mesma admiração que as pessoas tinham pelo (atleta) que estava correndo lá na Olimpíada. Se não existisse a coleta, a gente viveria no lixo. Tô fazendo uma coisa que é do bem e outra que gosto, que é correr. As duas coisas juntas — compara.
Profissão e paixão compartilhadas
A inspiração para a profissão atual e sonho de futuro vêm de berço: o pai já foi gari e atualmente dirige o caminhão do lixo. Aos domingos, quando poderiam descansar, correm juntos.
— Mas aí é de leve, corre pro mercado, corre no campo da vila — pondera o jovem.
Meu sonho já tá acontecendo. Já tá aí, e vou pegar ele.
ANDREY WILLIAM OLIVEIRA SILVA
Gari e aspirante a maratonista
Na comunidade, um projeto auxilia a garotada a manter seus objetivos. O Peregrinos Revolucionários, tocado pelo casal Karen Danielle dos Santos e Cláudio Roberto da Costa, apoia a vizinhança com entrega de cestas básicas, material escolar ou até reformando as simples moradias.
“Cláudio da Vó Chica”, como é conhecido, acredita que Silva poderá ser um espelho, um fator transformador:
— Inspirar outros jovens, outros garis até, por que não? E, depois, vamos encher a sala com as medalhas — sorri o voluntário.
No telefone de Cláudio, uma mensagem mostra que, no próximo domingo, o gari vai ser avaliado pelo triatleta Luciano Alves.
— Meu sonho já tá acontecendo. Já tá aí, e vou pegar ele — garante o maratonista da vida.