Quero-queros desfilam tranquilos e pombas cruzam planando o agora quase vazio terreno do Parque Maurício Sirotsky Sobrinho (Harmonia) sem atrapalhar o trabalho das equipes humanas que correm contra o tempo. O cenário é de contraste em relação às tardes e noites onde cerca de 1,4 milhão de pessoas caminharam, dançaram, comeram e beberam a tradição gaúcha entre agosto e setembro, no Acampamento Farroupilha.
Às 20h desta sexta-feira (30), todos os lotes devem ser devolvidos à GAM3 Parks, concessionária da área verde, sem nenhum indício de piquete. Por volta das 10h, restavam pelo menos duas estruturas em pé, uma delas com paredes de tijolo sendo desmontada.
A grande maioria dos 288 piqueteiros finalizou sua desocupação da área ainda na semana anterior. Alguns, como o profissional da construção civil Telmo Ariel de Souza, 63 anos, ainda coordenavam uma equipe no local na manhã de sexta. De vassoura jardineira em punho, não interrompeu os movimentos enérgicos que juntavam restos de madeira e cinzas do chão nem para conversar com a reportagem. Levantava a cabeça apenas para acompanhar o esforço de outro trabalhador, que de cima de uma caçamba de caminhão marretava tijolos unidos em cimento, desmontando uma chaminé de churrasqueira.
Ele e sua equipe trabalharam na construção e remoção de seis piquetes do Acampamento deste ano — foram oito em 2019. Além das duas caçambas de caminhões que retiraram com entulho dali desde 21 de setembro, outras cargas de materiais são guardadas para voltarem ao Harmonia como novos piquetes no ano que vem.
— É parte do nosso sustento, vale a pena o esforço, ainda mais depois de dois anos sem — respira Telmo, dando um descanso para os braços enquanto tomava um gole de café preto servido por um colega na tampa de uma garrafa térmica.
Caso o prazo estabelecido pela concessionária não seja observado, é feita uma notificação administrativa ao patrão do piquete infrator. Em caso de reincidência, a notificação ganha gravidade e pode chegar à cassação do alvará do piqueteiro — a permissão de usufruir do lote no período do Acampamento —, explica a diretoria do GAM3 Parks.
— Foi um evento de grande transição. Conseguimos fazer aprendizados interessantes, recebemos avaliações positivas dos piqueteiros. Tanto em visitantes, estrutura física e patrocinadores, vemos o acampamento como um sucesso — avalia o diretor de negócios da GAM3 Parks, Vinícius Garcia.
Os mais adiantados já pensam na montagem do ano que vem. Gilson Vasques Gonçalves, 68, um dos responsáveis pelo piquete Xirú do Coice, fundado em 1998, desmontou sua estrutura após os festejos, mas pretende manter a cabana tradicionalista montada ao longo do ano. Em sua propriedade no extremo sul de Porto Alegre, reunirá amigos e colegas do movimento tradicionalista para debater o que deu certo e o que poderá ser melhor na próxima edição do Acampamento Farroupilha.
— O reencontro foi muito especial, depois de dois anos. No momento de desmontar já sentimos uma saudade, de modo que agora faremos uma pausa, mas em seguida continuaremos com alguma atividade ou planejamento — comenta o patrão do Xirú.
Os mínimos detalhes do terreno precisaram ser cuidados, explicam os piqueteiros. Desde buracos tapados até folhas secas ou restos de carvão pelo chão devem ser aprovados pelos fiscais da GAM3 depois que os piquetes entregam seu lote. Tijolos inteiros que iriam para descarte ou tocos de lenha que escaparam das churrasqueiras acabam sendo reaproveitados pelos trabalhadores que auxiliam na desmontagem das estruturas. Todo esforço para compensar o investimento inicial é válido, tendo em vista que boa parte dos materiais precisou ser comprado novo depois de dois anos sem Acampamento.