A pétala de rosas caída sob o portão de Odorico Félix se explica: desde 1973, o vendedor de flores deixa seu imóvel, no bairro Restinga, para dar uma forcinha aos casais na noite de Porto Alegre. Com experiência de 50 anos no riscado, chega sorridente à mesa e solta uma das suas tantas brincadeiras:
— Ô diretoria, vamos investir na primeira-dama? Ela merece uma rosa — incentiva, em uma das sua maneiras de abordagem.
O início do périplo pelas casas noturnas foi incentivo de um chefe, quando trabalhou como office-boy na Livraria do Globo, no centro da Capital. O patrão havia retornado de uma viagem ao Rio de Janeiro — acompanhado, segundo Odorico, pela Miss Universo Iêda Maria Vargas. Ao chegar ao Rio Grande do Sul, disse ao funcionário que havia deparado com homens de smoking oferecendo o presente nos mais finos restaurantes cariocas. Odorico comprou a ideia e nunca mais parou.
— Enquanto tiver saúde, eu vou para a noite. Se parar, vou sentir falta — complementa.
O “comerciante-cupido” garante ter participação em inúmeros casamentos, sendo inclusive convidado para alguns. Atualmente, flagra os encontros apenas às sextas e aos sábados, pois o pique de quando era garoto já se reduziu significativamente. O movimento também diminuiu desde a pandemia, avalia.
— Ele precisa se cuidar, ou eu puxo a orelha — afirma a neta, Evelin de Souza Félix, 33 anos, sobre as saídas do idoso.
Evelin também faz a contabilidade do avô: é pelo Pix cadastrado no celular dela que os clientes podem pagar por parte do buquê. As flores são buscadas na Ceasa pelo filho Fábio.
Romântico, nunca substituiu a esposa, já falecida
Odorico frequenta, em especial, os bairros Moinhos de Vento, Higienópolis e Jardim Europa. As casais já o conhecem e o acesso é facilitado. Ele também diz ter desenvolvido técnicas para distinguir quem está se conhecendo dos já namorados ou com matrimônio selado. Nem mesmo os amantes escapam ao seu olhar treinado.
— Tem que conhecer o cliente para não dar mancada. As vezes tá com a namorada, com a esposa ou com a amante. De olhar eu já sei. A noite é uma faculdade da vida — conta.
Quando o bar tem música ao vivo, sobe ao palco — flagrado pela reportagem cantando no pub Sixteen Station, na Avenida Benjamin Constant, e ao vivo, na Rádio Gaúcha, na manhã desta segunda-feira (11), cantou Roberto Carlos à capela.
— Eu cantaria Tim Maia, mas a essa hora é mais difícil — explicou, às 7h15min.
Ao relembrar o passado, puxa da memória celebrações em que foi contratado para distribuir lembranças aos convidados. A madrugada varada na boemia, com um “traguinho” em mãos, vestido na beca, deixava a então esposa enciumada.
O terno usado no princípio da carreira acabou trocado por camisa, calça jeans e sapato. O que não tem substituição é o espaço aberto no amor: Odorico é viúvo. Jussara morreu há 10 anos, vítima de um câncer, fato que o deixou na cama por um mês, em depressão.
— Só um namorinho aqui e outro ali. Somebody love — gargalha, com a referência ao personagem Armando Volta, da Escolinha do Professor Raimundo.