Em algum momento nos últimos meses, você deve ter ouvido falar em problemas com adutoras em Porto Alegre ou até mesmo sentido os efeitos diretos ao abrir a torneira de casa e descobrir que está sem água. Os rompimentos dessas tubulações têm sido frequentes na cidade. Além de causar transtornos como alagamentos, desvios no trânsito e grandes buracos no meio das vias, os contratempos geram elevados custos aos cofres públicos.
Uma adutora é uma tubulação que desloca água de um ponto para outro, não distribuindo diretamente para as casas. Sai da estação de tratamento e leva água para um bairro determinado. Ao chegar em um reservatório ou em um sistema de distribuição, já não é mais considerada adutora.
Confira os principais motivos apontados para essa quebra em série de adutoras na Capital:
Dmae aponta que maior causa é a vida útil dos materiais
Na última terça-feira (10), o rompimento de uma adutora causou alagamento na Avenida Loureiro da Silva e na Rua Engenheiro Luiz Englert, ao lado do Parque Farroupilha (Redenção). Os motivos foram ocasionados pelo tempo de vida do material, que foi confeccionado nos anos 1950, e pela ação da raiz de uma árvore que exerceu pressão exagerada sobre a adutora.
— O principal motivo, hoje, para o rompimento de uma adutora em Porto Alegre é a vida útil. Há adutoras com mais de 50 anos que já estão no período de serem substituídas — explica Alexandre Garcia, diretor-geral do Departamento Municipal de Água e Esgotos (Dmae).
As adutoras antigas são feitas de ferro fundido. Quando se rompem, são consertadas ou substituídas por novas, compostas por materiais como polietileno de alta densidade (Pead), quando tiverem até 315 milímetros de diâmetro do tubo, e de ferro dúctil (a partir de 315 milímetros). Este último trata-se de um ferro fundido por fora com revestimento interno que protege ainda mais a tubulação e proporciona ganho de estabilidade para suportar a pressão.
Em Porto Alegre, existem 4,2 milhões de metros de redes de água. Se for levado em consideração o esgoto e a drenagem, o número sobe para 10 milhões de metros de redes subterrâneas. As adutoras integram esse elaborado conjunto debaixo do solo. Na Ponta do Arado, uma nova adutora prevista vai custar R$ 23,5 milhões. Outra, situada na Avenida Padre Cacique, perto do Beira-Rio, tem previsão de ser trocada, ao custo de cerca de R$ 9 milhões.
A despeito da idade dos encanamentos, os rompimentos podem ser ocasionados por diversas situações. Até eventos chamados como “golpe de aríete” contribuem para romper uma adutora. Um caso assim aconteceu na Avenida Pernambuco, localizada no bairro São Geraldo, em março deste ano.
O principal motivo, hoje, para o rompimento de uma adutora em Porto Alegre é a vida útil. Há adutoras com mais de 50 anos que já estão no período de serem substituídas
ALEXANDRE GARCIA
Diretor-geral do Dmae
— A bomba estava bombeando água e faltou luz. Há um sistema de equalização da pressão negativa. A água desceu e a luz voltou, mas faltou em seguida energia elétrica de novo. Esse golpe de aríete fez com que a adutora rachasse — esclarece Garcia.
Segundo o Dmae, quando ocorre o rompimento de uma adutora, os gastos são altos:
— Nosso maior custo é para o abastecimento. É a perda da oportunidade para arrecadar. Aquela adutora que a Sulgás rompeu deixou a Estação de Tratamento de Água (ETA) do Moinhos de Vento parada por 24 horas. A ETA dali produz, em média, 1,2 mil litros de água tratada por segundo. Imagina o custo — ilustra Garcia.
Desde janeiro deste ano, já houve o rompimento de 30 adutoras (acima de 315 milímetros) em um universo de 313 quilômetros desse tipo de rede na Capital.
Sindicato dos Engenheiros sugere substituição de adutoras
O Sindicato dos Engenheiros do Rio Grande do Sul (Senge-RS) aponta diversos fatores que contribuem para as adutoras sofrerem rompimentos. Entre os motivos estão instalações feitas de maneira inadequada, antiguidade, oscilação de pressão dentro da própria tubulação, fechamento de uma válvula de forma abrupta, escavação no solo perto das tubulações, corrosão interna e até a variação de temperatura pode influenciar na alteração de pressão dentro da tubulação. Além disso, a existência de pouca cobertura de terra sobre a tubulação e o trânsito intenso em cima do local onde a tubulação está enterrada são elementos que prejudicam as adutoras.
O que é jornalismo de soluções?
É uma prática jornalística que abre espaço para o debate de saídas para problemas relevantes, com diferentes visões e aprofundamento dos temas. A ideia é, mais do que apresentar o assunto, focar na resolução das questões, visando ao desenvolvimento da sociedade.
— Essas tubulações que se rompem já devem estar com a vida útil no seu limite. O indicado é a substituição de rede da tubulação rompida — aconselha o diretor do Senge-RS, Adinaldo Fraga.
Especialistas defendem válvulas, gestão de risco e limpeza frequente
O professor do Instituto de Pesquisas Hidráulicas (IPH) da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) Gino Gehling sugere a colocação de válvulas que reduzam a pressão nas adutoras. Segundo o docente, às vezes, alguns canos podem estar submetidos a pressões indesejáveis, acima do previsto:
— Podemos colocar numa tubulação uma válvula que, a partir de um determinado ponto quando a água passa, essa válvula é ajustada para dar uma redução na pressão.
O professor Jaime Federici Gomes, da Escola Politécnica da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUCRS), cita que contratempos com adutoras são bastante comuns em várias partes do mundo. O docente chama a atenção para a questão do planejamento.
Podemos colocar numa tubulação uma válvula que, a partir de um determinado ponto quando a água passa, essa válvula é ajustada para dar uma redução na pressão
GINO GEHLING
Professor do IPH da UFRGS
— Planos de gestão de riscos são instrumentos fundamentais para estabelecer medidas de ação emergenciais, prevendo respostas mais assertivas e eficientes, reduzindo o tempo de desabastecimento do público — pondera.
A professora Luciana Gomes, do Programa de Pós-Graduação em Engenharia Civil da Universidade do Vale do Rio dos Sinos (Unisinos), ressalta que até a sujeira contribui para o rompimento de adutoras:
— O que a gente precisa é de uma sincronia nas atividades. Se mantivéssemos os cursos de água e as tubulações limpas, quando chegassem as chuvas, teríamos mais espaço para a água passar. No caso da adutora, é o caminho inverso. Puxamos água do rio e vem junto porcaria. A questão é essa: teríamos de ter limpezas preventivas.
Como outras cidades tratam o problema
Santa Maria
A cidade da região central gaúcha representa o segundo maior sistema que a Companhia Riograndense de Saneamento (Corsan) opera no Estado. Em Santa Maria, há mais de 200 quilômetros de grandes adutoras em ferro, aço e até mais antigas em cimento amianto ou policloreto de vinila (PVC) que transportam água em grandes volumes.
— Fatores como escavações de empresas terceirizadas ou da prefeitura podem atingir as adutoras. Há ocorrências maiores de rompimento, principalmente nas redes de cimento amianto. Oscilações de pressão e a idade das adutoras também contribuem — diz o superintendente da Região Central da Corsan, José Roberto Ceolin Epstein.
O monitoramento de adutoras, manutenção frequente e sistemas de abastecimentos interligados, permitindo alimentação das diferentes regiões das cidades por outras adutoras, podem minimizar os danos causados pelas eventuais rupturas
JAIME FEDERICI GOMES
Professor da PUCRS
O superintendente dá dicas de como o problema pode ser resolvido ou, ao menos, atenuado:
— Manter sempre em dia a manutenção dos equipamentos dos dispositivos de segurança entre as redes hidráulicas. Usar equipamentos como inversores de frequência para acionamento e desligamento de bombas, o que evita o golpe de aríete e, consequentemente, minimiza o estresse hidráulico causado nessas adutoras. E aplicar válvulas redutoras de pressão para minimizar a possibilidade de rompimento — ensina o especialista, ressaltando que, no caso de Santa Maria, existe até um sistema de controle operacional com sensores instalados para monitorar a pressão nas adutoras.
Bagé
Um dos problemas que ocasionam o rompimento de adutoras em Bagé, na Campanha, é o fato de algumas serem muito antigas. O município possui adutoras de ferro fundido que foram construídas em 1926. Além disso, a cidade possui a peculiaridade de ter racionamentos frequentes. Nesses períodos, a tubulação vive uma anomalia, ficando muito tempo vazia e sofrendo rupturas.
Conforme o Departamento de Água, Arroios e Esgoto de Bagé (Daeb), entre as ações realizadas que ajudam na manutenção da vida útil de uma adutora está a instalação de registros e ventosas, que são dispositivos para a retirada do ar e preenchimento de água na rede no retorno do abastecimento.
Caxias do Sul
Na região da Serra, Caxias do Sul ainda possui adutoras dos anos 1960, de fibrocimento e ferro fundido, que se rompem com maior facilidade em função do desgaste e da corrosão, respectivamente. Para atenuar o problema dos rompimentos, foram instalados redutores de pressão em diversos pontos, o que contribui para diminuir a pressão da água e, consequentemente, as quebras de redes.
Também são utilizados reservatórios espalhados em dezenas de bairros, o que facilita a distribuição da água no perímetro urbano. O Serviço Autônomo Municipal de Água e Esgoto (Samae) trabalha na substituição de redes maiores, como é o caso das adutoras da Radial Sul e da Evaristo de Antoni, com diâmetros entre 300 e 800 milímetros e cerca de 5 quilômetros de extensão. Para essa troca, serão investidos mais de R$ 10 milhões.