Escorados no muro de um terreno da Avenida Wenceslau Escobar, bairro Tristeza, zona sul de Porto Alegre, Paulo Ricardo Pedri, 55 anos, e Denise Avila Peters, 46, completam as lacunas de uma revista de cruzadinhas. O gesto chama atenção de quem passa pela via devido ao contraste com os pertences do casal: em um carrinho de supermercado estão um cobertor, pedaços de papelão, uma bolsa com os fechos aparentemente intactos e um galão d’água repleto de tampinhas de garrafa PET.
— Foge ao perfil. Já viu um morador de rua de óculos, preenchendo avidamente os tais livrinhos? — questiona Lúcia Escobar, ao passar pela região.
Ouvinte da Rádio Gaúcha e leitora de GZH, Lúcia enviou um e-mail para a reportagem com a provocação: “que tal descobrir essa história?”. Desafio aceito. A equipe passou dois turnos ao lado da dupla sem-teto, e descobriu que a prática das palavras cruzadas tem um objetivo simples e direto.
— Ajuda a não pensar besteira — resume o homem, na manhã desta segunda-feira (25).
As publicações são doadas por quem já conhece a preferência pelo passatempo. Quando todas as páginas são preenchidas, a opção passa a ser a compra de uma nova revista, “mas nem sempre sobra” recurso para isso, lamenta Pedri. Ao ganhar inúmeras edições de Zero Hora e do Diário Gaúcho, ele agradece insistentemente.
Com ensino fundamental, ele diz ter trabalhado em indústrias e no serviço público, 20 anos atrás. Já Denise abandonou a cidade natal, Pelotas, “faz um tempinho” — o período exato lhe foge à memória. Ela também sobrevive com a ajuda da vizinhança.
O casal se conheceu já nas ruas.
No ponto de táxis da Otto Niemeyer, a história dos apaixonados pelas cruzadinhas é conhecida, contada há pelo menos cinco anos pelos motoristas.
— Eles estão sempre juntos, por aqui na praça ou do lado da parada de ônibus — aponta o taxista Ronildo Bueno Pereira, 59 anos.
Desemprego levou às ruas
A perda da moradia, que os levou à situação de rua, tem causas semelhantes em ambos os casos: desemprego, afastamento da família e falta de condições de manter um teto.
— Minha avó morreu, e depois disso eu não tive mais casa, não tive mais nada — se emociona o ex-servidor da prefeitura da Capital.
Ao ser perguntada sobre o maior sonho na vida dela, Denise responde o que parece ser um desejo compartilhado pelos cerca de quatro mil porto-alegrenses que peregrinam à procura de proteção em pontes e marquises.
— Queria ter uma casa — afirma.
O parceiro surpreende:
— O meu sonho é ter um filho com ela.
Ouça a entrevista com o casal, ao vivo no programa Gaúcha Hoje: