Ainda antes da pandemia, dois sócios pretendiam abrir um novo negócio em Porto Alegre. Saíram a caminhar pelas ruas próximas à casa de um deles, no limite entre os bairros Petrópolis e Bela Vista, e repararam que havia poucas opções de bares e restaurantes. Decidiram abrir uma pizzaria por ali mesmo.
Hoje, o mesmo passeio encontraria um cenário muito diferente. Nos últimos anos, apesar do impacto negativo do coronavírus, a quantidade de bares, cafés e restaurantes se multiplicou e consolida o entorno de ruas como Passo da Pátria, Barão de Ubá e Neusa Goulart Brizola como um novo polo gastronômico e boêmio da Capital. Mas com uma diferença que sugere uma nova tendência na cidade: a maior parte dos frequentadores é formada por moradores da própria vizinhança.
Em pouco mais de dois anos, nas imediações da linha que separa os dois bairros, abriram locais como o restaurante Baro, a pizzaria Brooklyn, o café Caffeine e a cervejaria 4Beer, entre outras atrações que vêm movimentando as ruas principalmente à noite.
— Uns três anos atrás, saí com meu sócio para dar uma caminhada pelo bairro. Ele havia dito que tinha poucos estabelecimentos, como restaurantes, nas proximidades, e realmente vimos que não tinha quase nada. Decidimos abrir a pizzaria Brooklyn — conta o sócio-proprietário Alexandre Fraga, mais conhecido como Mazeron.
Não foi um movimento isolado. Mais ou menos na mesma época, abriu outro restaurante de referência na região, o Baro.
— Aqui não tinha bar, restaurante, opção de entretenimento. Abrimos em 2019 e, na sequência, vieram bares, floricultura, café, empório. Há uma perspectiva muito boa de que esse local se confirme como novo polo gastronômico da cidade — analisa a proprietária do Baro, Ana Carolina Reschke.
Essa tendência já foi identificada em estudos realizados pela empresa Space Hunters, que presta assessoria para a localização de investimentos.
— Moro no Petrópolis. Na Rua Passo da Pátria, há cinco, seis anos, tinha só um bar de cerveja artesanal. Depois virou um sushi, até que apareceu um centrinho comercial que locou tudo muito rápido e trouxe café, pizzaria. Depois disso, em cerca de um ano, apareceu muita coisa nova — avalia o CEO da Space Hunters, Francisco Maraschim Zancan.
A empresa desenvolveu uma metodologia que avalia o potencial de uma região para atrair bares e similares – o databeer – com base em critérios como população, densidade, renda média e urbanidade (integração com o restante da cidade). Em uma escala de zero a cinco, o eixo do Petrópolis aparece com nota máxima em urbanidade, média quatro em população e renda média e três em densidade. O Auxiliadora, também nas proximidades, é outra zona que aparece bem nessa análise, com duas médias quatro (renda e urbanidade), uma três (densidade) e dois em população.
Maior parte do público mora na vizinhança
Nas últimas décadas, Porto Alegre se caracterizou pela migração de suas zonas boêmias. Já teve como focos, por exemplo, o Bom Fim, o eixo da Avenida Goethe, a Cidade Baixa, mais recentemente o 4º Distrito e, agora, começam a despontar novos endereços preferenciais – mas com uma diferença que vem chamando atenção.
Se os demais pontos se notabilizaram por receber gente de todo lugar da cidade e até de municípios próximos, as novas ruas de efervescência atraem principalmente o público que vive a poucas quadras de distância.
— Cerca de 70% dos nossos clientes são pessoas que moram perto. Vêm com a família, com o cachorro, nos conhecem e nós os conhecemos, batemos papo — conta Alexandre Fraga.
O fluxo de frequentadores que vai à Brooklyn caminhando com o cachorro na coleira é tão grande que os responsáveis pelo local mantêm um estoque permanente de petiscos para cães a fim de distribuí-los aos bichos enquanto os tutores comem suas pizzas.
Esse fenômeno contribuiu para que os responsáveis pela cervejaria 4Beer decidissem abrir uma unidade na região. O galpão convertido em área de convivência é uma das novidades mais recentes no local – completou um ano no mês passado. O sócio-proprietário Caio de Santi conta que a estratégia da marca é justamente ficar mais próxima das pessoas, em vez de exigir grandes viagens até uma de suas mesas.
— Como trabalhamos com bebida alcoólica, é mais difícil para as pessoas estarem circulando pela cidade e bebendo. Por isso, é importante estarmos próximos o suficiente para os clientes irem a pé ou por uma corrida curta de aplicativo — explica Santi.
Como o estudo da Space Hunters indicou, zonas como Petrópolis, Bela Vista e Auxiliadora são mais propícias a esse tipo de investimento por contarem com alta densidade populacional e boa renda média, o que facilita o consumo local sem depender tanto de outras regiões da cidade. Isso resulta até em maior resiliência contra fatores negativos, como o alto preço dos combustíveis e o risco do coronavírus.
— Bairros como Petrópolis e Bela Vista são populosos, mas eram muito desabastecidos, com opções pulverizadas. Pessoas que tinham de se deslocar por três, quatro quilômetros agora podem sair a pé, de bicicleta — afirma o CEO da Space Hunters, Francisco Maraschim Zancan.