
Ao longo de pelo menos duas décadas, a Cidade Baixa foi o bairro boêmio por excelência em Porto Alegre graças à proliferação de bares e à concentração de notívagos ao redor das mesas e, principalmente, sobre calçadas e ruas. Nos últimos anos, a repetição de conflitos, o temor da violência e a ação ostensiva das autoridades no eixo da Rua João Alfredo têm estimulado um fenômeno: a migração de parte do público para outros lugares e o crescimento de novos polos noturnos na cidade, o que está redesenhando o mapa da boemia na Capital.
A descentralização da noite porto-alegrense é, na verdade, uma volta às origens. Dois dos bairros que mais vêm recebendo eventos, bares e fluxo de pessoas são o Centro – primeiro ponto de lazer da cidade – e o Bom Fim, que vê renascerem as aglomerações ao ar livre após serem palco de conflitos entre frequentadores, moradores, comerciantes e policiais que sepultaram esse hábito ao longo da Avenida Osvaldo Aranha em meados do anos 1990.
– Frequentava bastante a Cidade Baixa, mas, nas últimas cinco vezes em que saí à noite, quatro foram no Bom Fim. A Cidade Baixa está com ambiente mais tenso – afirma o estudante César Duarte, 23 anos.
Reunido com um grupo de amigos para happy hour no viaduto da Borges (outro ponto em ascensão), na terça-feira passada, Duarte e o restante da turma concordavam que as imediações das ruas João Alfredo e Lima e Silva, antigas joias da boemia da Capital, já não brilham tanto à noite para as novas gerações. Uma das razões para a busca de outros redutos é o temor da violência – no final de janeiro, três pessoas foram executadas na João Alfredo. O bairro também tem um histórico de desavenças entre moradores, comerciantes, frequentadores e poder público em razão de barulho, sujeira e excesso de pessoas na rua.
– A Cidade Baixa não morreu, mas as opções estão se espalhando mais – avalia o pós-graduando Marcelo Jung, 26 anos.
A CB, como é conhecida, e os novos focos de diversão noturna têm em comum a frequência basicamente de jovens, que costumam ocupar não apenas o interior dos bares, mas também espaços públicos como as calçadas e a própria rua. A origem desses hábitos está no Centro, onde, na virada dos séculos 19 e 20, o ambiente portuário e os bares, cafés, cinemas, restaurantes e confeitarias estimularam o nascimento da boemia, conforme o artigo Cidade Baixa e a Produção de um Lugar de Música em Porto Alegre, da pesquisadora Thaís Amorim Aragão.
Esquina Maldita foi início da ocupação no Bom Fim
A abertura de vias e pontes permitiu a expansão urbana e estimulou, após a década de 1950, o crescimento do segundo polo notívago da cidade, o Bom Fim.
A partir da chamada Esquina Maldita (Osvaldo Aranha com Sarmento Leite), onde estudantes, intelectuais, artistas e afins se reuniam para falar principalmente de política e filosofar sobre a vida, a avenida e ruas próximas passaram a ser tomadas por hordas de frequentadores que enchiam os dois lados da via e se perdiam Parque da Redenção adentro. Quando seguidas brigas e batidas policiais começaram a afugentar o público, na década de 1990, a Cidade Baixa foi a parada seguinte do fervor noturno.
– O território boêmio tem essa circulação. Começou no Bom Fim, depois, com a reivindicação de sossego por parte dos moradores e a abertura do Bar Opinião (na José do Patrocínio) e do Nova Olaria (na Lima e Silva), foi para a Cidade Baixa. Agora, temos esse movimento de descentralização. Também a região do 4º Distrito, sem essa concentração na rua, existe boemia – observa a socióloga Michelle Nascimento, que pesquisa a noite porto-alegrense.
Desde o ocaso do Bom Fim, a Cidade Baixa seguiu como referência quase exclusiva para a diversão massiva na cidade – até agora.