Prestes a completar 250 anos, Porto Alegre é uma senhora conectada e aberta ao novo. Tem mais de 400 startups, hubs temáticos, parques tecnológicos labirínticos e receberá uma feira que já movimentou bilhões de dólares em acordos e investimentos – a South Summit promete colocar a cidade na vitrine mundial da inovação em março.
O que norteia esse mercado é a nova economia. Trata-se de um conceito que engloba novas tecnologias, novas formas de gestão e novos modelos de negócios. Se parece um bicho de sete cabeças, saiba que ele pode abocanhar quem opta por ignorá-lo. Enquanto a pandemia castigava os negócios tradicionais, houve um aumento de 57% das startups gaúchas, segundo pesquisa divulgada neste mês em evento no Instituto Caldeira.
O Caldeira mesmo é exemplo dos bons ventos da inovação em Porto Alegre. O instituto inaugurou em 2021 seu espaço físico, em uma área de 22 mil metros quadrados nas antigas fábricas da A.J. Renner, no 4º Distrito.
Por fora, o prédio mantém as características industriais e um pouco do aspecto abandonado que marca essa região da Zona Norte. Mas quem passa pelas catracas da entrada se sente transportado ao Vale do Silício. Há salas envidraçadas com gente fazendo reuniões online em diferentes línguas, uma Startup Village (“vila de startups”), coworking e espaços para descanso pensados para estimular a conexão entre as 153 empresas que fazem parte do seu ecossistema.
As caldeiras trazidas da Europa pelo empresário Antônio Jacob Renner na década de 1920 foram mantidas e decoram o salão de eventos. CEO do instituto, Pedro Valério apoia nesse detalhe sua teoria sobre a vocação da cidade no meio da inovação:
— Porto Alegre tem um DNA empreendedor. Isso aqui é um exemplo disso. Para aquele momento (anos 1920), era uma disrupção tecnológica.
O Caldeira foi o primeiro projeto do Pacto Alegre, acordo firmado em 2018 entre universidades, empresas, poder público e sociedade civil em prol da inovação. Para o coordenador dessa articulação e, desde setembro, também secretário municipal de Inovação, Luiz Carlos Pinto, surgiu como uma resposta a um período de desencantamento com Porto Alegre, vista como uma cidade difícil de empreender, com longos prazos para obter licenciamento e muita burocracia.
— Boa parte do PIB hoje gira em torno da inovação — celebra Pinto. — A gente conseguiu destravar um pouco a cidade e o Estado.
Em 2021, foi regulamentada na Capital a Lei de Liberdade Econômica (que extingue a necessidade de alvarás para empreendimentos de baixo risco e estipula prazo para que negócios de média e alta complexidade sejam aprovados) e criado o Programa Creative (que reduziu a alíquota de Imposto sobre Serviços de 5% para 2% para as empresas de base tecnológica e instituições de ciência e tecnologia).
Também ocorreram iniciativas em nível de Rio Grande do Sul, como a criação do Conselho Estadual de Desburocratização e Empreendedorismo (Cede), em 2018, e, um ano depois, o projeto Descomplica RS, que atua em várias frentes para facilitar a vida de quem quer empreender.
Criador do primeiro unicórnio brasileiro, a Getnet, vendida ao Santander por R$ 1,1 bilhão, e hoje CEO da 4all, ecossistema que ajuda empresas a se transformarem digitalmente, José Renato Hopf destaca esse “alinhamento de estrelas” entre governos municipal e estadual, a academia, empresas e outras instituições como o motivo do salto que a cidade está dando. Em proporção à população, Porto Alegre e o Rio Grande do Sul já são destaque nacional como centro de inovação, afirma ele:
— O que a gente percebe é que existe uma grande união, está todo mundo mobilizado. Todos querem que se acelere esse círculo virtuoso.
O próximo passo para a evolução da nova economia em Porto Alegre passa pela formação de pessoas para dar conta da crescente demanda do mercado. Está previsto para 2022 o começo das atividades do Campus Caldeira, que deve oferecer desde atividades de capacitação da área da TI e cursos de programação a escolas de treinamento para capacidades associadas à nova economia.
A parte social também tem força no projeto do campus: Pietro Biazus, executivo de negócios do instituto, explica que haverá oportunidade para jovens de escolas públicas e em situação de vulnerabilidade social.
Empresas fundadoras do Caldeira e membros associados poderão ajudar nos custos da operação do campus, sendo beneficiadas com o acesso ao banco de talentos que ele deve formar, explica Biazus. Apenas nas empresas ligadas ao instituto, há cerca de 2,5 mil vagas abertas, atualmente.
Formado em administração empresarial, Biazus destaca que isso pode ajudar a combater a significativa evasão de talentos e de startups que havia na cidade:
— Como porto-alegrense que sempre quis sair da cidade, digo que este é um lugar que nos permite sonhar.
South Summit será em março
Startups que são promessas no mundo inteiro e fundos investidores se encontrarão em Porto Alegre em 29, 30 e 31 de março de 2022. A South Summit é considerada uma das maiores feiras de inovação do mundo e será realizada pela primeira vez na América Latina.
Antes do evento em si, ocorre uma competição de startups, entre as quais serão selecionadas ao menos 50 finalistas para vir a Porto Alegre. Em 2021, o encontro na Espanha atraiu mais de 1,2 mil investidores, 6,8 mil startups e mobilizou fundos com US$ 130 bilhões disponíveis para aplicação.
Porto Alegre ano 250
Porto Alegre completou 249 anos neste 26 de março ainda sob impacto da pandemia do coronavírus. Para o Grupo RBS, a data também marca o início da contagem regressiva para os 250 anos que serão completados no ano que vem. Assim, mensalmente, até o aniversário de quarto de milênio da Capital, publicaremos em Zero Hora e GZH conteúdos que abordarão aspectos fundamentais na tentativa de entender a formação de uma identidade porto-alegrense. As reportagens vão tratar a Porto Alegre das ruas, das pessoas, do futuro, da cultura, do empreendedorismo e das paixões. Esses conteúdos vão lançar um olhar para trás, como forma de compreender o que nos trouxe até aqui, retratar o presente e projetar o amanhã da Capital, sempre com foco voltado a aproximar nosso público da cidade que escolheu viver.
CEO da 4all e um dos articuladores para trazer o evento à Capital, José Renato Hopf destaca que o desenvolvimento de alguns dos principais ecossistemas de inovação do mundo resultaram de mudanças em cinco pilares: governo atuando em prol do empreendedorismo, formação de talentos e conexão com universidade, sistema pujante de startups, presença de fundos de investimentos que as viabilizem e conexão global.
— Essas últimas duas questões sempre foram decisivas. Teve o Web Summit em Lisboa, o South Summit em Madrid, o SXSW em Austin. Esses eventos são um grande catalisador de conexão global entre startups e empresas com fundos — salienta Hopf.
O evento incluirá ainda um congresso. Serão instalados quatro palcos nos armazéns do Cais Mauá para a apresentação de cerca de 150 palestrantes nacionais e internacionais. A programação ainda não está definida – será divulgada neste site.