O silêncio da Praça da Alfândega, nas primeiras horas do dia, é quebrado por uma apresentação em conjunto, sem ensaios, mas que se complementa: os sabiás-laranjeira cantam ao som do saxofonista James Grandson. A cena foi vista por quem passava apressado pelo centro de Porto Alegre na manhã desta segunda-feira (1), e teve seu trajeto alterado para acompanhar a sonata.
— Eu acho o máximo, sinto falta de ver mais (profissionais) assim na rua — elogia a trabalhadora dos Correios Telma Pacheco, 54 anos.
Na Rua da Praia, o artista se destaca por interpretar trilhas sonoras famosas nos videogames, como Mario Bros. Se apoia também no cinema, embalado por Meu primeiro Amor, Homem-Aranha, La La Land, Pantera Cor-de-Rosa, Pica-Pau e Simpsons, além de composições de cantores consagrados: Frank Sinatra, George Michael, Tom Jobim, Vinicius de Moraes e Pixinguinha. Atende também a pedidos dos pedestres, e se emociona com a reação de parte da “plateia”:
— Uma senhora pediu What a Wonderful World (de Louis Armstrong), quando olhei ela tava virada em lágrimas. Disse que ouvia com a irmã, que faleceu de covid. Agradeceu muito por poder lembrar disso. Não tem preço, são as melhores coisas da rua.
O instrumentista, que preserva o nome de batismo para impulsionar sua carreira, tem 31 anos de idade, 20 desses estudando cifras ou na estrada. Começou na arte graças a um trabalho social da igreja Batista, no bairro Cristal, no final dos anos 1990, quando uma missionária lecionou música para as crianças da comunidade.
— Ela ensinou as crianças da periferia a ler partitura, e eu era uma delas. Eu tinha 11 anos e nunca mais perdi a paixão pela música — relembra o artista.
O saxofone, na adolescência, foi presente do irmão, que o observava debruçado sobre as canções. Hoje, vive na Restinga, extremo-sul da Capital, é casado e tem dois filhos. Dedica duas horas por dia às notas longas, escalas, articulação e embocadura.
Uma caixa de som suspensa sobre o ombro garante a base de piano e o resto do aparato para o homem-banda. Pelo sax, ele faz a chamada “transcription”, uma interpretação sobre a melodia de fundo. Por vezes, sai a capella, com ou sem apoio das notas musicais.
James afirma que já teve proposta para se apresentar com salário fixo, mas deixou o emprego pela possibilidade de mudar de palco sempre que der na telha — basta atravessar a rua. As incertezas que fazem sua renda variar também proporcionam inverter a jornada, começando na calçada e terminando, por exemplo, em um casamento, como ocorreu em 2015.
— Era meu primeiro dia no Centro, veio uma moça e disse “vamos fazer um casamento surpresa, em um restaurante, para os noivos que estão saindo do cartório”. Foi demais — recorda.
Itinerante pelas vias do Centro Histórico, James não escolheu a Praça da Alfândega aleatoriamente, neste final de 2021.
— Gosto muito de ler, estar aqui e fazer música ao lado da Feira do Livro é exercer minhas duas paixões.
O trabalho musical também é exposto no Instagram, ainda com poucos seguidores.
Ouça a entrevista com o saxofonista, na manhã desta segunda-feira (1), no programa Gaucha Hoje, da Rádio Gaúcha: