Um ato de resistência cultural e de apoio à figura do escritor Luis Fernando Verissimo reuniu dezenas de pessoas, entre o final da manhã e o início da tarde deste sábado (30), na escadaria da Avenida Borges de Medeiros, em Porto Alegre, onde fica o espaço da Galeria Escadaria.
O local atualmente abriga, ao ar livre, a exposição "Autorias", em que 18 artistas plásticos foram convidados a pintar retratos de 26 expoentes da literatura gaúcha. Desde a estreia, em 1º de outubro, o retrato de Verissimo foi vandalizado três vezes. Na primeira, foi talhado a golpes de estilete. O original foi enviado para o restauro e uma réplica foi colocada no local. A cópia, em dois dias distintos, foi danificada e manchada por uma substância assemelhada à mistura de cola com tinta marrom. O ataque cobriu grande parte do rosto do homenageado na tela. O detalhe é que somente o retrato de Verissimo, e mais nenhum outro, foi alvo de vandalismo. Os organizadores chegaram à conclusão pessoal de que não foi mera coincidência, mas ataque com motivação política. A Galeria Escadaria foi lançada em março de 2021 como espaço de exposições ininterruptas - a Autorias é a sexta delas - e, desde então, jamais havia ocorrido episódio de destruição de uma obra de arte. Os organizadores registraram boletim de ocorrência após as depredações.
— O povo vinha respeitando intensamente, isso que aconteceu foi absolutamente pontual. Acreditamos que foi um ato político de vandalização. O Verissimo, além de ser um grande artista, é claramente identificado com a esquerda. E isso está incomodando — lamentou Marcos Monteiro, diretor da Galeria Escadaria.
Organizadora da exposição, a artista plástica Graça Craidy definiu o encontro deste sábado como uma celebração da arte e da sua perenidade, da diversidade e da democratização da cultura, já que o público que comparecia ao local vislumbrava exposição afixada à parede de um edifício residencial, a céu aberto, no Centro Histórico de Porto Alegre.
— Hoje nós temos aqui um ato de resistência. A nossa arma é a arte. Não vão nos destruir. Como dizia o Mario Quintana, eles vão passar, e nós, passarinho — comentou Graça.
Autor da obra de homenagem a Verissimo, o artista plástico Gustavo Burkhart esteve presente e levou seus apetrechos para fazer novos desenhos do escritor, em folhas de papel. Outros visitantes faziam o mesmo e, tão logo seus traços ou mensagens ficavam prontas, eram afixadas à parede, abaixo da obra vandalizada.
Uma dessas pinturas, por exemplo, delineava Verissimo tocando saxofone, uma de suas marcas registradas. A advogada Karen Félix, que reside nas redondezas e diariamente interage com a exposição, deixou um cartaz com a seguinte mensagem: “Verissimo, os raivosos não sufocarão nossa arte e nossa cultura. Resistiremos.”
Burkhart, embora “indignado” com os vandalismos à obra, afirmou que os ataques “não destroem, mas aumentam a visibilidade”. Ele destaca que os casos deram início a uma onda de empatia e de visitantes que foram prestigiar a exposição e prestar solidariedade.
— A obra do Verissimo é maior do que política ou partido. Mas ele tem posição, não fica em cima do muro, e isso desagrada nesse tempo de obscurantismo e preconceito que estamos vivendo. Temos que denunciar. A arte vai resistir a isso tudo — avaliou Burkhart.
Na extensa carreira, Verissimo alcançou sucesso nacional com diversas obras. Entre elas, os livros O analista de Bagé e Diálogos Impossíveis, o segundo vencedor do Prêmio Jabuti, e os contos em que lançou a personagem da Velhinha de Taubaté, cuja essência era ironizar a ditadura militar e sua queda gradual no Brasil.
A exposição "Autorias" foi acolhida na programação da Feira do Livro de Porto Alegre de 2021 e segue em cartaz até o dia 3 de novembro.
Nas cinco mostras anteriores na Galeria Escadaria, as obras foram expostas com o uso de impressões fotográficas de alta qualidade que eram adesivadas em PVC, um material mais resistente e que tem perfil para uso na rua.
Desta vez, na Autorias, adotou-se a ousada ideia de levar as tradicionais telas em tecido para o ar livre. Burkhart diz que para os artistas, acostumados a ver seus trabalhos no minucioso acondicionamento de galerias e museus, foi um exercício de “desapego” deixar as pinturas ao alcance da ação do tempo e até de vândalos.
— Foi a primeira vez com telas a céu aberto. A proposta é democratizar a arte, com acesso a todos e sem custo. Temos visto muitas pessoas interagindo com as telas, algumas delas que, talvez, nunca tenham tido a oportunidade de ir a uma galeria. A arte revitaliza os espaços públicos. Queremos encorajar as pessoas a fazerem isso nos seus bairros e ruas — diz Graça.
Veja a lista de artistas e autores da exposição Autorias
Beatriz Balen Susin pintou Luiz Antonio de Assis Brasil e Maria Carpi
Bernardete Conte pintou João Simões Lopes Neto
Emanuele de Quadros pintou Luisa Geisler
Erico Santos pintou Lya Luft e Moacyr Scliar
Gilmar Fraga pintou Carol Bensimon e Erico Verissimo
Graça Craidy pintou Dyonélio Machado e Marô Barbieri
Gustavo Burkhart pintou Luis Fernando Verissimo
Gustavo Schossler pintou Fernanda Bastos
Gustavot Diaz e Ise Feijó pintaram Caio Fernando Abreu
Helena Stainer pintou Cíntia Moscovich e Cyro Martins
Liana d’Abreu pintou Lélia Almeida
Liana Timm pintou Eliane Brum e Mario Quintana
Mariza Carpes pintou Leticia Wierzchowski
Nara Fogaça pintou Josué Guimarães e Martha Medeiros
Pena Cabreira pintou Claudia Tajes e João Gilberto Noll
Thiago Quadros pintou Sergio Faraco
Ubiratan Fernandes pintou Jane Tutikian e Oliveira Silveira