Do ponto de vista histórico, na comparação com outras metrópoles brasileiras, Porto Alegre surgiu tardiamente. O início da colonização teve como marca a disputa pela terra com os castelhanos, o que levou a historiadora Sandra Pesavento a apontar, na obra O Imaginário da Cidade: Visões Literárias do Urbano, que a capital gaúcha nascera sob a égide da luta.
A cidade se organizou a partir da Rua dos Andradas, Riachuelo e Duque de Caxias. A Cidade Baixa, parte mais plana do jovem conglomerado e lugar dos excluídos da zona urbana, era o local para onde se levava quem não tinha mais condições de frequentar a “cidade alta”. Não é por acaso a referência de O Beijo na Parede (2013), romance de estreia de Jeferson Tenório, quando o narrador-personagem comenta “sua infância triste na Cidade Baixa”, quando “eles não tinham isso e não tinham aquilo”.
A representação literária capta, tal como uma fotografia, um instante de um determinado momento histórico. A narrativa, então, apresenta as sensibilidades e as percepções de eventuais mudanças em curso, sejam elas de qualquer natureza, apresentando um aspecto da vida social do que poderia ter sido, do que pode vir a ser.
A primeira reinvenção literária de Porto Alegre se deu 75 anos após a fundação da cidade. Foi em 1847, ano em que Antônio Vale Caldre Fião publicou A Divina Pastora. Nessa obra, o autor narra a história de amor não realizado entre os primos Edélia e Almênio. A trama se passa na época da Revolução Farroupilha (1835-1845), ferida então aberta na sociedade gaúcha.
Almênio, inclinado a lutar ao lado dos Farrapos, perde o amor da prima. E acaba comprometido com Clarinda, filha de migrantes vindos do Vale do Rio dos Sinos. Ele decide mudar de lado na esperança de reencontrar seu verdadeiro amor, mas já é tarde: Edélia se envolvera com Francisco, o vilão. A descrição dos fatos tem como pano de fundo, aponta o professor e historiador Flávio Loureiro Chaves, em Matéria e Invenção: Ensaios de Literatura, áreas à época rurais e que hoje correspondem aos bairros Cascata e Belém Velho.
Porto Alegre ano 250
Porto Alegre completa 249 anos neste 26 de março ainda sob impacto da pandemia do coronavírus. Para o Grupo RBS, a data também marca o início da contagem regressiva para os 250 anos que serão completados no ano que vem. Assim, mensalmente, até o aniversário de quarto de milênio da Capital, publicaremos em Zero Hora e GZH conteúdos que abordarão aspectos fundamentais na tentativa de entender a formação de uma identidade porto-alegrense. As reportagens vão tratar a Porto Alegre das ruas, das pessoas, do futuro, da cultura, do empreendedorismo e das paixões. Esses conteúdos vão lançar um olhar para trás, como forma de compreender o que nos trouxe até aqui, retratar o presente e projetar o amanhã da Capital, sempre com foco voltado a aproximar nosso público da cidade que escolheu viver.
Ora, sabe-se que a arte literária é capaz de instigar reflexões históricas e sociais sobre determinado tempo em um determinado lugar. Nessa perspectiva, Caldre Fião é precursor de uma linhagem de escritores que têm na cidade um objeto de ficcionalização, ou uma musa literária. Depois dele vieram, entre outros e outras, Erico Verissimo, Dyonélio Machado, Moacyr Scliar, Luiz Antônio de Assis Brasil, Charles Kiefer, Daniel Galera, Paulo Scott e José Falero.
Confira como Porto Alegre é vista na literatura em diferentes épocas e regiões da cidade: