Entre abastecimentos, cobranças e organização das filas em um posto de combustíveis de Porto Alegre, dois funcionários retiram o lixo para descarte. Em determinado momento, um deles se dirige ao colega, que é gerente de pista do local, e, por um instante, tenta o impedir de fazer o serviço:
— "Tu é um homem formado, não precisa pôr a mão no lixo", eu disse. Ele respondeu que todo trabalho é honrado, colocou o dedo indicador na cabeça e falou que o que ele faz não muda o que ele sabe. Isso me marcou muito — lembra o frentista Idi Amin Lucas, 40 anos.
O gerente citado é Carlos Colmenarez, 39 anos. No Brasil desde 2018, ele deixou a Venezuela devido à grave crise econômica e social que atinge o país. Na capital gaúcha, conseguiu emprego em um posto Ipiranga da Avenida João Wallig, no bairro Passo D'Areia. Conquistou a confiança dos colegas e hoje chefia o setor.
— Eu gosto é de ser frentista, trabalhar atendendo. Tenho muito orgulho — diz, reforçando o relato do colega.
Em três anos no Rio Grande do Sul, ele criou laços e um projeto para expandir o auxílio a outros imigrantes: o "Venegaucho", como é chamada a iniciativa, orienta os caminhos para confecção de documentos, indica oportunidades de emprego e de moradia, e tem até uma espécie de fazenda para cultivo de culturas como tomate, pimentão e maracujá — a terra foi cedida pelo dono do posto.
Foi por meio de uma indicação de Colmenarez que a venezuelana Alexandra Escudero, 21 anos, foi contratada:
— O Carlos me recomendou, logo já comecei e estou muito feliz. Gosto demais daqui — define a jovem.
Na manhã desta segunda-feira (18), a reportagem de GZH acompanhou o trabalho do gerente de pista. Em poucos minutos, ficou evidente a descontração da equipe, apesar do movimento intenso de veículos.
Em meio aos atendimentos, Colmenarez contou sua história no programa Gaúcha Atualidade, da Rádio Gaúcha. Enquanto ainda estava ao vivo na emissora, viu um carro estacionar no pátio e dele surgir um advogado, profissão pela qual o venezuelano é diplomado há uma década e meia.
— Meu companheiro. Eu estava te ouvindo na Gaúcha e tive que vir dar os parabéns. Um homem humilde, com uma profissão digna. É um exemplo de vida, me deixou emocionado — contou o advogado Luiz Alexandre Markusons, 68 anos.
Ao observar o jurista, o imigrante falou de um desejo ainda não alcançado: revalidar o diploma e voltar a atuar na área do Direito. Outros sonhos ele garante já ter conquistado, como a adaptação dos dois filhos, matriculados na escola e admiradores da cultura do Estado. A esposa, a jornalista Montserrat Desirre Ximenez, 37 anos, também está empregada, na área de produção de uma fábrica de refrigerantes.
— Eu só tenho que agradecer por todas as oportunidades — afirma a mulher.
Ainda na entrevista à Gaúcha, o gerente pôde agradecer o apoio recebido para chegar ao primeiro contrato: foi a partir das colunas de Rosane de Oliveira e de Giane Guerra, em GZH, que o casal conseguiu colocação no mercado.
— Eles foram a pé para a entrevista no Sine, para economizar na passagem — recordou Rosane.
Ao saber do esforço dos imigrantes, os servidores do Sine de Porto Alegre realizaram uma vaquinha para a família. O diretor da entidade na época, Leandro Balardin, comprou cestas básicas e entregou os R$ 150 reunidos pelos funcionários. A volta para casa foi de carona com o gestor da unidade.
— Os cidadãos que buscam e lutam sempre vão encontrar mãos amigas — resume Balardin.