Um dos restaurantes portugueses mais tradicionais de Porto Alegre, o Pampulhinha alcança os 50 anos nesta sexta-feira (26). Não como Jaime Pinheiro imaginava: a pandemia de coronavírus e um câncer de próstata o afastaram da cozinha que construiu e comandou desde 1971.
Quem substitui o chef durante o tratamento é a filha Cristina Pinheiro, 51 anos. Nutricionista, ela se desdobra entre o consultório e o restaurante, no bairro Floresta, contando com a ajuda da irmã, Kelly, 44 anos, no caixa.
Não é a primeira vez que Cristina assume o Pampulhinha. Já o fez em 2007, quando o pai teve uma endocardite. Mas o português costumava ser muito ciumento com sua cozinha.
- Tive que abrir o restaurante escondido dele. Assim que ficou bom, me disse: “sai que a cozinha é minha” - conta Cristina, aos risos.
Foi diferente desta vez. Com 76 anos, Jaime andou ensinando alguns dos seus segredos para a filha, um rito que não deixou de ser emocionante para Cristina.
- Eu acho que ela é melhor do que eu - diz Jaime.
Os pratos da casa são invenção do português mesmo, Jaime nunca foi de seguir receita. Se teve uma professora, foi ainda na infância, em Aveiro, costa oeste portuguesa. Sua mãe gostava muito de cozinhar frutos do mar.
Jaime desembarcou muito jovem em Porto Alegre, com 17 anos. Ele seria obrigado a servir na África pelo exército salazarista, mas se adiantou e migrou para o Brasil.
Assim como os irmãos, e a família acabou se achando no ramo gastronômico. Ao mais velho pertenceu o restaurante Pampulha, na Avenida João Pessoa, Jaime abriu o Pampulhinha na Benjamin Constant, e o irmão mais novo, o Pampulhão, na Avenida Jerônimo de Ornelas. Este último fechou há alguns dias por causa da crise gerada pela pandemia de covid-19.
Adega diferentona
O bacalhau e os frutos do mar são os carros-chefes do Pampulhinha. Mas se tem algo que projeta o restaurante em nível nacional e até internacional são os vinhos. Ele tem uma das maiores adegas da América Latina.
São mais de sete mil rótulos, segundo Cristina. Incluindo alguns dos mais renomados do mundo. O francês Pétrus, de 1991, sai por R$ 80 mil. Acrescidos de 10% do garçom, se você resolver tomar lá.
- São tesouros - destaca Cristina.
E, como tais, são guardados dentro de um cofre. O Pampulhinha fica em uma antiga agência do Banco Sul-Americano. Para acessar a adega, é preciso passar pela porta de ferro do cofre.
- É um ponto turístico: quem vem, dá uma passeada, com ajuda de um funcionário que vai explicando. Só não pode tocar em nada - conta Cristina.
A maior parte dos rótulos foi adquirida nos últimos 18 anos, quando o Pampulhinha se mudou para o endereço atual - antes, ficava uns metros adiante, também na Benjamin Constant. Jaime foi garimpando rótulos copiosamente. Vinhos sempre foram uma paixão sua. Seu pai era produtor em Portugal, e ele cresceu limpando as pipas para ajudar.
O Pampulhinha ficou cinco meses fechado na pandemia. Não demitiu ninguém - tem garçom que já está há 45 anos na casa. Mas as contas apertaram bastante.
Cristina conta que o que ajudou a manter o negócio de pé foi a venda de vinhos.
- Sempre briguei com o pai por comprar tanto vinho, mas foi o que nos salvou na pandemia. Ele não tem muito estudo, mas é um visionário, uma pessoa bem ligada do comércio.