Eleito para o terceiro mandato em Canoas, Jairo Jorge (PSD) tem pressa. Marcou a posse para as 10h desta sexta-feira (1º) e logo depois já vai oficializar as primeiras medidas de governo, com a assinatura de decretos que instituem a segunda passagem gratuita no transporte público e a renovação da intervenção no Hospital Nossa Senhora das Graças, instituição sexagenária com capacidade para 300 leitos e que enfrenta demissões em massa em função de grave crise financeira.
Aos 57 anos, o jornalista e empresário sabe que a saúde pública em meio a um cenário de agravamento da pandemia será seu maior desafio neste início de ano. Ele, contudo, cultiva metas ambiciosas para a nova gestão. Já no sábado (2), deve divulgar um plano de ação com 110 iniciativas para serem realizadas nos primeiros cem dias de governo.
Com um orçamento de R$ 2 bilhões para 2021, Jorge busca alternativas para enfrentar um déficit de R$ 150 milhões decorrente da perda de receitas causada pela estagnação econômica. A recuperação, assegura, está na vacinação da população. Para tanto, concebeu um plano cuja ambição é imunizar inicialmente 200 mil moradores - Canoas tem cerca de 350 mil habitantes. O novo prefeito espera contar com a ajuda da iniciativa privada e ingressar logo no que chama de “corrida pelo ouro”.
– Boi lerdo toma água suja – vaticina, diante da disputa mundial por imunizantes capazes de frear a contaminação por covid-19.
Confira abaixo a íntegra da entrevista:
O senhor teve uma boa transição? Em que condições vai assumir o município?
Não. Não tive acesso às informações estratégicas na saúde, na educação e nas finanças, três áreas essenciais. Fiz uma reunião com as equipes dos hospitais, o que me deu uma visão ainda que fragmentada. Na educação, foi a mesma coisa e, na Fazenda, estimamos R$ 300 milhões de dívida a curto prazo e um déficit no orçamento de 2021 de R$ 150 milhões.
Qual seu principal desafio neste retorno à prefeitura?
Tem dois desafios que vão exigir mais: a saúde e a questão financeira. Na saúde, houve um desmonte, uma desestruturação. Temos cinco UPAs, três delas fechadas. Na arrecadação, o orçamento perdeu R$ 200 milhões para 2021. Vamos ter que reduzir custos e recuperar as finanças. Estou fazendo uma reforma administrativa que reduz um nível hierárquico na prefeitura, corta em 11% os CCs e FGs e deve economizar R$ 17 milhões. Não é muito, mas ajuda.
O senhor anunciou a sua equipe de governo e lá há 22 secretarias, cinco assessorias superiores, cinco subprefeituras, nove coordenadorias e três autarquias. Não é uma estrutura inchada?
Não. A prefeitura tem suas funções e, na relação custo-benefício, isso ajuda. Às vezes, se gasta mais com a lentidão, com a ausência de controle e a incapacidade de produzir resultados. A zeladoria da cidade melhora muito com as subprefeituras. Não estou aumentando cargos, mas são estruturas necessárias para se ter mais agilidade e resolução.
O senhor vai retomar a iniciativa de despachar nos bairros um dia por semana. Não teme que isso acabe gerando mais frustração do que esperança na população?
Essa era a maior crítica que meus secretários tinham em 2009 e ela se mostrou improcedente. Um governo precisa ter sentido de urgência, do que é prioridade e do que é necessário. Às vezes, o gestor está preocupado com grandes questões, mas para o cidadão o grande problema é a lâmpada queimada na rua de casa. Essa ligação com a população é uma mão dupla: o gestor conhece a demanda da cidade e o cidadão compreende que o Estado tem limites financeiros, materiais e humanos. Não é paternalismo, mas respeito, dar o sentido de escuta, de a pessoa saber que está sendo ouvida.
Estamos numa fase grave da pandemia e Canoas está com três UPAs fechadas e com o Hospital Nossa Senhora das Graças sob intervenção e em grave crise financeira. O que o senhor pretende fazer?
Vamos ajudar o hospital a sair da crise. Vou renovar a intervenção por mais 90 dias, mas o novo interventor será o presidente interino da Associação Beneficente Canoas. Será o segundo decreto que assino amanhã (1º). A prefeitura pediu um empréstimo ao Banrisul, o banco me solicitou anuência e eu vou dar. Nas UPAs, a ideia é reabri-las em breve, até por causa do agravamento da pandemia na segunda quinzena de janeiro. Em vez de fazer hospital de campanha, vamos investir na estrutura que já existe.
Se o governo federal demorar na aquisição das vacinas, Canoas tem dinheiro para comprar suas próprias doses?
O governo federal mandou R$ 106 milhões para Canoas. A informação que tenho é que sobraram R$ 5 milhões. Oficialmente, me falaram que teria sobrado R$ 13 milhões, mas parece que agora são só R$ 5 milhões. Eu pedi que reservassem isso para as vacinas. No convênio feito pelo governo do Estado e pela Famurs com o Butantan (parceiro no Brasil da Sinovac para produção da Coronavac), eu pedi 400 mil doses, o que imunizaria 200 mil pessoas. Minha ideia é pagar para imunizar 100 mil pessoas dos grupos prioritárias, sobretudo idosos e quem atua na linha de frente, como pessoal da saúde, da segurança e da educação. Em reunião com empresários, sugeri que cada um pague pela vacina dele e de mais uma pessoa. Ou seja, se ele tem 50 funcionários, que pague para imunizar cem pessoas. A recepção foi positiva. É mais barato pagar pela vacina e ter logo a plena retomada da atividade econômica do que arcar com o fechamento do comércio ou até mesmo perder um funcionário, seja por 14 dias ou definitivamente, em caso de óbito. Agora vamos aguardar como a situação vai avançar em janeiro.
Canoas está enfrentando uma greve numa empresa de ônibus que afeta a população. A prefeitura tem como buscar uma solução?
Fui procurado pelo sindicato e manifestei intenção de ajudar. A empresa deve aos funcionários R$ 1,1 milhão. O atual prefeito falou em colocar R$ 200 mil e eu propus assumir o restante, em quatro parcelas. É para aquisição de passagens. Parece que agora o prefeito desistiu. Teremos uma reunião dia 5 e eu quero comprar essas passagens e usá-las num programa de auxílio-emergencial para desempregados que pretendo lançar. Claro que isso está condicionado ao uso dos recursos no pagamento dos salários atrasados. Para 2022, pretendo fazer a licitação do transporte público, dentro de um novo plano de mobilidade urbana.
O senhor voltou a falar em reativar estudos para ligar o Trensurb ao aeromóvel. É viável?
Trabalhamos com a ideia de uma parceria público-privada, não vamos colocar recursos públicos. É uma solução moderna, pois não polui, é autônomo, não atrapalha o trânsito e usa energia solar. Dois grupos chineses tinham interesse, vamos buscar parceiros para implementar no sentido leste-oeste, do Guajuviras ao Mathias Velho, e uma norte-sul, que sai da Ulbra e chega até o avião.
O senhor citou dois bairros, Mathias Velho e Guajuviras, que têm um histórico de violência. Qual sua estratégia para reduzir a criminalidade?
Fui pioneiro lá em 2009, ao implantar o conceito de território de paz, uma ideia que depois inspirou outros municípios como Pelotas e Niterói (RJ). Vamos trabalhar com os três Is, inteligência, integração e inclusão. Se faz isso aproveitando a tecnologia, restaurando as câmeras que estão desativadas, usando as áreas integradas de segurança pública e facilitando a coesão social para termos ações preventivas. O delegado Emerson Wendt, que foi um excelente chefe de polícia, será o secretário, com o tenente-coronel Marcelo Pitta de adjunto. Será uma secretaria técnica, sem conotação político-partidária.
Qual sua tarefa mais urgente, a promessa mais difícil de ser cumprida e o que o senhor não abre mão de fazer até o final da gestão?
Não abro mão do programa Prefeito Presente, com a ida aos bairros toda sexta-feira para ver in loco os problemas. A tarefa mais urgente é a saúde, reorganizar o setor para proteger o cidadão. O mais difícil de cumprir é o aeromóvel, até porque é uma PPP e depende de interesse de grupos privados.