Entre ironias e críticas à condução do processo, o prefeito e candidato à reeleição Nelson Marchezan (PSDB) prestou um depoimento de duas horas e 38 minutos à Comissão Processante de Impeachment da Câmara Municipal nesta sexta-feira (6).
Marchezan começou sua fala dizendo que considerava um “feito da nossa Câmara Municipal” a realização de um processo de impeachment em meio a uma pandemia e a uma semana das eleições municipais. Ele se disse desconfortável:
– Esse mundo dos desvios, dos malfeitos, dos descaminhos, não me pertence. Por outro lado, estou confortável e tranquilo de falar aqui sobre ética.
Por 28 minutos, antes de entrar no mérito do processo, Marchezan listou o que julgou arbitrariedades. Citou a redução e dispensa dos depoimentos de testemunhas e autores do requerimento, os motivos “partidários e eleitorais” que ampararam outros cinco pedidos anteriores de impeachment e as decisões do desembargador Alexandre Mussoi Moreira, da 4ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça do RS, que reverteu oito decisões favoráveis ao prefeito.
– E em todas as decisões, o desembargador citou a necessidade de celeridade porque há um prazo de 90 dias. Agora, não tem mais esse tempo. O impeachment pode ser a qualquer tempo, a qualquer prazo.
Só então Marchezan começou a defender as peças publicitárias da prefeitura veiculadas no início da pandemia da covid-19. O requerimento de impeachment questiona o teor das peças e o gasto de R$ 3,1 milhões provenientes do Fundo Municipal de Saúde. O prefeito citou gastos superiores em publicidade de diferentes gestores, como ex-prefeitos, governadores e presidentes.
– Os gastos do Fundo Municipal de Saúde são um fato. Por que seja em publicidade, seja em um band-aid, é a única forma de gastar recursos em saúde – explanou Marchezan.
O prefeito também teve de responder por peças publicitárias veiculadas fora do Rio Grande do Sul. Em uma edição de dezembro de 2019, as capas dos jornais Folha de S.Paulo, Estadão e Valor Econômico estamparam um anúncio dizendo “As reformas que o Brasil precisa. Porto Alegre já fez.” A publicidade fora do Estado é vedada pela Lei Orgânica de Porto Alegre, senão em turismo.
Marchezan justificou os anúncios citando exemplos de localidades como Minas Gerais, Recife, Alagoas e Florianópolis que fizeram publicidade nacional destacando questões de desenvolvimento em vez de atrações turísticas, citando investimentos públicos em pontos como conectividade, inovação e novas fontes de energia.
— Porto Alegre fez reformas e vai poder cuidar da vida das pessoas. Como não mostrar isso? Como isso não vai trazer turismo?
Após a explanação de Marchezan, aconteceram os pontos mais tensos do depoimento. Primeiramente, o prefeito questionou o relator da comissão, Alvoni Medina (Republicanos) por não fazer perguntas. A insistência fez o presidente da comissão, Hamilton Sossmeier (PTB), intervir:
— Até aqui o senhor for respeitoso, mas agora está passando dos limites.
Depois, o terceiro membro da comissão, Ramiro Rosário (PSDB) reclamou veementemente não ter participado das decisões da comissão e questionou o presidente pela dispensa de três testemunhas: o deputado federal Mauricio Dziedricki (PTB), o ex-prefeito e candidato José Fortunati (PTB) e o ex-diretor do DEP e da Câmara Tarso Boelter. Sossmeier se limitou a dizer que o motivo está nos autos do processo e que as perguntas deveriam ser feitas ao prefeito.
Após perguntas de Ramiro, aliado de Marchezan, em que o prefeito exaltou medidas de de seu governo contra a corrupção, o prefeito se disse entristecido:
– Eu não mereço isso e a cidade não merece isso. Denigre a imagem da cidade e de todo porto-alegrense.
Ausências anteriores
Marchezan não havia comparecido à primeira data marcada para o seu depoimento, em 23 de outubro. Na ocasião, o prefeito alegou que a Justiça havia determinado primeiramente o depoimento dos autores do requerimento de impeachment.
A decisão seria revertida dias depois, e a comissão, então, tentou dar andamento ao processo à revelia do depoimento do prefeito. Mas dessa vez foi Marchezan foi quem ingressou na Justiça pedindo para ser ouvido pela comissão e foi atendido.
As últimas idas e vindas do processo farão com que ele se estenda mais do que o prazo legal de 90 dias – que acarretaria o arquivamento. Na quinta-feira (5), todavia, a comissão anunciou que continuará os trabalhos até a conclusão por orientação da procuradoria da Câmara.
Marchezan teria agora o prazo de cinco dias a contar de segunda-feira para apresentar suas “razões escritas”. Mas o caminho natural é que sua defesa, antes disso, peça o encerramento do processo de cassação à Justiça. No final do depoimento de Marchezan, o advogado Roger Fischer solicitou à comissão o final do processo pelo esgotamento do prazo. Como jurisprudência, apresentou uma decisão com participação justamente de Mussoi Moreira, desembargador que vem arbitrando contra o prefeito.
O processo de impeachment teria outras duas etapas: a votação de um novo relatório de Medina, cuja data de apresentação já foi marcada para 17 de novembro, recomendando arquivamento ou julgamento em plenário. Caso recomende julgamento em plenário e a comissão aprove o relatório (ou o inverso), o processo é encaminhado ao presidente da Câmara, Reginaldo Pujol (DEM), a quem caberá marcar o julgamento do prefeito.