Quando criaram a comunidade no Cantagalo, há 15 anos, os moradores da Osho Rachana já mostravam a vontade de se isolar do mundo. Inspiraram-se no modelo da Humaniversity (comunidade do polêmico guru indiano que fica na Holanda) e foram morar no sítio de 42 hectares ladeado por estradas de chão, a uma hora do centro da Capital e sem sinal de internet.
Nos últimos seis meses, eles se ilharam de verdade. Para não colocar os 108 moradores em risco de contaminação por coronavírus, decidiram fechar as portas da comunidade pela primeira vez. Saem apenas quando é estritamente necessário, com todos os cuidados, e não recebem visitantes desde março.
— Nós estamos em uma bolha — diz o terapeuta de bioenergética Prem Milan, 65 anos, fundador da comunidade.
Como hoje já estão conectados — o sinal de internet chegou há cinco anos na localidade de Viamão —, a maior parte dos moradores trabalha em home office. Quem não consegue, acabou pedindo demissão. Milan conta que fizeram uma grande vaquinha para que a comunidade tenha condições de se manter assim até abril de 2021. Teve gente que tirou o dinheiro da poupança, teve gente que vendeu o carro, botou R$ 20 mil, R$ 30 mil no bolo usado para pagar as contas de todos.
— Estamos vivendo um socialismo — diz a moradora Anand Punya, 35 anos.
Todos também têm o compromisso de trabalhar no sítio, até quatro horas diárias. As crianças da comunidade estão tendo como professores os próprios moradores — há na comunidade geóloga, pedagoga, maestro, psicóloga, jornalista, professor de geografia, de matemática e de história, entre outros profissionais. São dez alunos de 5 a 12 anos na escolinha provisória.
— Mesmo se começarem as aulas, não queremos mandar as crianças. Sem vacina, vamos tomar esse risco para que? — questiona Milan.
O líder acrescenta que todos os moradores precisam fazer duas horas de atividades físicas por dia — e a estrutura do lugar, que tem campos de futebol, quadra de vôlei e de basquete e piscina, ajuda. E eles seguem realizando sua rotina de meditações, uma das características mais importantes da comunidade que segue preceitos do Osho.
— Estamos em uma bolha.
Eles mesmo produzem boa parte do que consomem, mas também recebem compras na comunidade. Os moradores ainda tomam vitaminas C e D diariamente e têm utilizado a ozonioterapia — prática que não tem eficácia comprovada contra o coronavírus. Usam óleo ozonizado e também vaporizam o elemento nos carros, quando alguém retorna da cidade, e nas casas, semanalmente.
— Riram um monte do prefeito que queria colocar ozônio no ânus. O cara não tá tão errado — afirma Milan.
Para o líder da comunidade, a pandemia não é algo gratuito: ele acusa o homem de ser irresponsável consigo mesmo e com a natureza. Mas fica feliz de ver seu crescimento pessoal neste ano de retiro.
— Caiu como uma luva. Claro que nós não desejava isso, torcemos pela vacina. Mas a pandemia acabou aprofundando nossa convivência.
Em 2016, reportagem de GZH fez uma imersão na vida da comunidade, mostrando a intensidade nas meditações, nos relacionamentos – e na franqueza aplicada a eles –, nos abraços, na sexualidade.
Muitas técnicas meditativas e filosofias do Osho (1931-1990) são seguidas. O mestre indiano, apelidado de "guru do sexo", defendia que "o orgasmo sexual oferece o primeiro vislumbre da meditação". Na comunidade, sua imagem está por todo lugar, do refeitório ao galpão de atividades. Com sua longa barba grisalha, a imagem de Osho vigia até quem senta na privada, junto à mensagem "ser natural é a única espiritualidade". O guru também era afeito a bens materiais: tinha uma polêmica coleção de 93 carros da marca Rolls-Royce.