Elas passaram de aposta para turbinar o turismo em Porto Alegre a um dos segmentos mais impactados pela pandemia. Após o baque inicial, as cervejarias têm se reinventado, na busca pela sobrevivência em um mercado dilacerado pela crise. Como tantos outros, o ramo percebeu na venda online uma aliada, mas os empresários dizem ainda depender de financiamento e redução nos custos para continuarem atuando.
É o caso da 4Beer, com unidades no 4° Distrito e na Zona Sul. Segundo um dos sócios do estabelecimento, o faturamento atual corresponde a 20% do anterior à pandemia. Para tentar reverter o cenário, a cervejaria apostou em um aplicativo próprio, onde evita pagamento de taxas no delivery de bebidas, carnes e hambúrgueres. Outra alternativa foi investir em maquinário de envase em lata, para facilitar o transporte. O growler pet (espécie de garrafão de plástico, com menor custo) também é usado nas entregas.
– Estamos tentando de tudo para nos manter, mas tivemos que recorrer a empréstimo – diz Caio De Santi, que comanda o estabelecimento com outros dois sócios.
O financiamento foi conquistado com a ajuda da Associação Gaúcha de Microcervejarias (AGM), entidade sem fins lucrativos que, mais do que nunca, tem auxiliado o segmento com medidas de incentivo. Uma das iniciativas é o projeto GoCraft – venda online de um "pacote surpresa", com cervejas artesanais de diversas marcas gaúchas. O próximo passo é incluir os produtos nas gôndolas dos supermercados.
– Estamos buscando o apoio do varejo, esperamos que eles se sensibilizem com nossa causa – afirma Diego Machado, presidente da AGM.
Na contramão dos supermercados, os bares permanecem fechados há quatro meses, o que parecia um pesadelo para a cervejaria 4 Árvores, fábrica do 4° Distrito que precisou trocar a distribuição de cerveja pela telentrega ao consumidor final. Mas tem dado certo: hoje, com entrega a domicílio e preço mais acessível, o estabelecimento atinge 75% do faturamento anterior.
– A pandemia nos mostrou uma nova possibilidade. Tem muita gente bebendo a nossa cerveja em casa – conclui Ivan Diehl, sócio da cervejaria.
Entrevista
"Se continuar do jeito que está, metade não chega a 2021"
Para Diego Machado, presidente da Associação Gaúcha de Microcervejarias, a probabilidade é de que, apesar das reinvenções, muitos estabelecimentos não resistam à crise trazida pela pandemia. Em conversa com GaúchaZH, o economista traçou prognósticos para o segmento.
Qual o maior desafio para as cervejarias gaúchas neste momento?
Uma cervejaria é como qualquer outra empresa, só se sustenta com a entrada de recursos. Quem não tiver caixa não vai sobreviver, principalmente as pequenas, que não têm capital de giro para se sustentar por muitos dias. Isso acaba prejudicando a sobrevida de operações. Muita gente ainda não parou para fazer a conta, para ver se vale ou não ficar aberto. Acredito que, mais para o final do ano, muitos vão se dar conta e uma triste realidade irá surgir.
As cervejarias pequenas serão as mais prejudicadas?
Sim. As pequenas, assim como as ciganas (sem planta cervejeira) e as muito grandes, que têm custo muito alto. Essas se valeram do mercado, que vai ser outro a partir de agora. As que têm médio porte e custo fixo poderão se sair melhor.
De modo geral, qual o prognóstico para o setor?
É triste falar isso, mas, se tudo continuar como está e se estender por uns dois meses, calculo que teremos uma redução de no mínimo 30% do parque fabril. Não sei se a metade delas chega a 2021. A maior parte das cervejarias confia seu faturamento em bares e restaurantes, então o impacto é muito grande. Acho que vamos levar uns cinco anos para resolver essa situação.
A situação é a mesma na Capital e no interior do Estado?
Acho que é pior em Porto Alegre e na Região Metropolitana. No Interior, a concorrência é menor, e a renda é mais bem distribuída, com economias mais resilientes.
Vale a pena buscar recursos para reinventar o modelo de negócio?
Estamos em um momento em que ninguém pode correr grandes riscos. Uma mudança de paradigma tem de ser bem estruturada, para que não venha a ser um projeto falido, não interessante. Não há margem para erro neste momento. As que se reinventarem terão que entender a necessidade de chegar ao consumidor final com o menor número de intermediários possível. Mas nem todo mundo vai ter fôlego.