Boa parte das capitais brasileiras, incluindo Porto Alegre, já admite que a integração do transporte metropolitano é indispensável para otimizar o funcionamento do setor. E quase todas — a capital gaúcha entre elas — argumentam que não avançam na discussão em razão das dificuldades de articular diversos agentes públicos para que isso seja possível. Mas há exceção.
Ainda no final da década de 1990, Goiânia, em Goiás, deu um passo importante para a integração do serviço de ônibus dos 18 municípios da região metropolitana. Criou a Companhia Metropolitana de Transportes Coletivos (CMTC), enxugou o número de linhas e implantou uma tarifa única para a circulação entre as cidades. Mais de 20 anos depois, o modelo ainda é destacado por especialistas como um dos únicos exemplos de integração do transporte metropolitano no Brasil.
— A integração nos permite otimizar as linhas. Hoje, temos 286, e uma frota de 1,2 mil veículos. Só em Porto Alegre, vocês têm 1,7 mil e quase a mesma quantidade (antes da pandemia, a Capital tinha 371 linhas de ônibus) — observa o presidente da CMTC, Benjamin Kennedy Machado da Costa.
Segundo Costa, o pioneirismo não isenta o sistema de problemas. A falta de autonomia do órgão para modernizar o serviço fez com que, como em outras capitais, o transporte público perdesse passageiros ao longo dos anos. A exemplo de outros locais, o modelo de financiamento pela tarifa hoje se mostra insuficiente para garantir que os ônibus ofereçam um serviço de qualidade.
Sem novidades no campo metropolitano, a capital goiana fez, em 2019, outro movimento em direção ao que especialistas consideram uma tendência do transporte público nas grandes cidades. O município licitou um sistema de transporte por demanda feito por vans, por meio de um aplicativo. O objetivo era oferecer um serviço mais confortável de transporte porta a porta (o custo é de R$ 2,50 por quilômetro rodado, e as viagens são solicitadas no celular). O sucesso foi tamanho que, em menos de um ano, atendimento passou de 20 para 68 veículos.
Outras iniciativas
Os ônibus elétricos de Santiago
Depois de, em 2015, entrar em emergência por conta da poluição do ar — 1,3 mil empresas tiveram de fechar, e 40% dos veículos foram impedidos de circular — Santiago, no Chile, assumiu a vanguarda na limpeza do transporte público na América Latina. Em 2016, criou um consórcio para eletrificar os ônibus e atualmente conta com a segunda maior frota elétrica do mundo, atrás apenas da China. No fim de 2019, três empresas de transporte público inauguraram o primeiro eletro corredor da América Latina, no qual circulam exclusivamente 183 coletivos movidos a eletricidade, com autonomia de até 250 quilômetros. Hoje são quase 400 veículos operando em Santiago. Até 2050, a meta é que pelo menos 40% dos veículos particulares e 100% dos veículos de transporte público sejam elétricos.
O pedágio urbano de Cingapura
A cidade-estado foi a primeira localidade no mundo a estabelecer pedágio urbano, em 1975. A medida, que consiste em cobrar uma taxa dos motoristas para circularem em horários em que as vias ficam sobrecarregadas, já era polêmica naquela época. Começou sendo usada só no horário de pico matinal — mais tarde, foi estendida para rush vespertino. A adoção da medida foi acompanhada por investimentos no transporte coletivo, e o resultado foi positivo: hoje, os moradores da cidade optam pelo transporte público em 63% de suas viagens — o governo projeta que o índice deve chegar a 75% até 2030. Ação semelhante está entre as propostas da prefeitura de Porto Alegre que tramitam na Câmara Municipal. Os recursos seriam investidos no sistema de ônibus.
A malha ciclável de Fortaleza
Na capital do Ceará, a política voltada para a ciclomobilidade fez a malha ciclável aumentar quase 250% em cinco anos: passou de 68 quilômetros em 2013 para 240 quilômetros em 2018, com previsão de chegar a 500 em 2030. Isso significa quase cinco vezes mais do que Porto Alegre, que começou a implantar ciclovias há mais de 10 anos. Atualmente, Fortaleza é a quarta capital com a maior malha ciclável do Brasil — atrás de São Paulo, Rio de Janeiro e Brasília. O município investiu prioritariamente em ciclofaixas (quando a segregação do trânsito não é total), mais baratas, mas também construiu ciclovias, além de ter investido em mais faixas exclusivas para ônibus e na criação de um bilhete único. As medidas renderam reconhecimento internacional: em 2018, Fortaleza venceu o Sustainable Transport Award (ou Prêmio de Transporte Sustentável, em tradução livre), que destaca projetos e intervenções inovadoras que promovem a mobilidade urbana de forma sustentável. Uma malha ciclável adequada desestimula o uso do carro.
Estacionamentos inteligentes de São Francisco
Visto como forma de racionalizar o uso dos veículos individuais, o fim do estacionamento gratuito em vias públicas veio acompanhado de uma solução inteligente em São Francisco, nos Estados Unidos. Por lá, foi implantado um modelo de vagas públicas cujo preço é determinado pela demanda e pela oferta de espaços ao longo do dia. O SFPark conta com sensores que rastreiam as vagas livres em tempo real, calculando a tarifa conforme a disponibilidade. Quanto menos vagas, mais caras elas ficam. O sistema, que pode ser consultado pela internet, faz com que os motoristas pensem duas vezes antes de saírem de carro — se não há vagas ou o preço é muito alto, por que optar por esse modal? Além de aliviar o trânsito, ajuda as pessoas a planejarem melhor seus deslocamentos.
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