Resgatado de um lixão, onde sofria maus-tratos, o vira-latas Inácio encerrou um ciclo indesejado de mudanças. Rejeitado por duas famílias que o consideraram hiperativo, o "terrível" cãozinho caramelo com manchas brancas encontrou em um jovem casal o lar tão procurado. Além de carinho, ficou famoso nas ruas de Porto Alegre, por onde desfila de bicicleta dentro de uma mochila, com os olhos protegidos do sol para não perder o estilo.
— Que figura, de óculos escuros e tudo — espanta-se o porteiro Alexandre Radici, 47 anos, apontando para o animalzinho próximo ao Monumento ao Expedicionário, no Parque da Redenção.
O box roído da cama em que dormia sua última adotante foi o ponto final para ele ser devolvido, pela segunda vez, à ONG Projeto Anjos de Patas. O local de acolhimento a animais de rua tem sede em Viamão, na Região Metropolitana, mas atende também na Capital.
Angelo Trois, 26 anos, e Naytiara Ramborger, 24, ignoraram o histórico e adotaram o cãozinho em novembro passado. A estratégia para evitar que ele descarregasse a energia nos móveis da pequena casa de 25m2 foi levá-lo para a rua ao menos duas vezes por dia.
— Nem cogitávamos adotar, porque vivemos em um J.K. Mas nos apaixonamos. No fim, deu tudo certo, ele comeu só um capacete e um óculos nosso, mas nada que nos magoasse — relembra Naytiara, estudante de publicidade e propaganda.
Com lenço vermelho no pescoço – como se fosse um caubói do Velho Oeste –, e dupla cordinha para segurar a armação sobre o focinho, o pet de um ano e meio não tem no semblante as características descritas pelos antigos tutores.
Nos passeios de pedal, Inácio torce o pescoço para os lados e se concentra nas vozes que o chamam. Alguns condutores estendem o celular para registrar o cão sobre as costas de um dos seus donos, que intercalam a "carona" sobre a bike. Na primeira viagem, ele estranhou a cidade em movimento, segundo Angelo. Hoje, basta o fotógrafo e estudante de Direito mexer na bolsa para despertar o aventureiro.
— Ele é uma estrela. As pessoas olham, apontam. A gente mora no Centro, onde todo mundo caminha meio cego, sempre atrasado. Quando veem ele, se surpreendem — explica, enquanto é interrompido por uma jovem que corre com um grupo na Avenida José Bonifácio, animada ao topar com o bichinho estiloso.
A conta no Instagram (instadoinacio), criada no final de 2019, tem pouco mais de 1.200 amigos. Seguido da hashtag "naocompreadote", a descrição classifica o animalzinho como um "vira-lata blogueiro". Em publicações na página, sua difícil história é contada em fotos e vídeos. O nome escolhido para batizá-lo vem da rua onde o casal reside, a Vigário José Inácio, no bairro Centro Histórico.
— Dói saber que ele foi rejeitado. Mas hoje não tem nada melhor do que sentar em frente ao computador e sentir ele nos meus pés. Um companheiro. Não temos do que nos arrepender, só de não ter conhecido ele antes — complementa o "pai adotivo".